Jornal Estado de Minas

Passos de Pelé no radar dos militares durante a ditadura

Arquivos da ditadura revelam que o jogador foi investigado, sob suspeita de envolvimento com o PDT, de Leonel Brizola

Josie Jerônimo Leandro kleber

- Foto: Domicio Pinheiro/AE - 1/1/70

 

Documentos do Ministério da Aeronáutica e do Serviço Nacional de Informações (SNI) tornados públicos após a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação revelam que o atleta considerado o rei do futebol teve os passos monitorados de 1972 a 1985 pelos militares. Papéis que fazem parte do acervo do Arquivo Nacional registram relatórios de arapongagem feitos sobre os negócios imobiliários de Pelé, a negociação do ídolo para alterar a classificação etária de um filme que estrelou e até mesmo a suposta militância de um de seus funcionários.

Depois de o jogador consagrar-se com o tricampeonato mundial, os militares passaram a temer suposta aproximação de Pelé com o PDT, de Leonel Brizola. No início da década de 1980, eles chegaram à conclusão de que o atleta usaria o prestígio do futebol na vida pública. Informes relatam que ele estava sendo recrutado pelos pedetistas para se candidatar como vice-governador na chapa de Adhemar de Barros, em 1986.

“Após o ingresso de David Lerer, Oswaldo Melantonio e diversos sindicalistas, o PDT estaria pretendendo ‘comprar o passe’ de Edson Arantes do Nascimento – Pelé, para entrar na política através do partido de Brizola. Acreditam os pedetistas que Pelé deverá se candidatar a algum cargo, não sabendo porém se para deputado federal, senador ou para vice de Adhemar de Barros na disputa para o governo do estado”, assinala relatório da Aeronáutica.

Funcionário

Documentos de 1974 mostram que os militares dedicaram dois relatórios para avaliar suposta mensagem subliminar contida na Campanha da Fraternidade do mesmo ano. Com o tema “Onde está o teu irmão?”, os católicos provocaram os militares, pois, à época, a frase foi relacionada às denúncias de opositores do governo de farda que desapareceram. Funcionário de Pelé identificado como Francisco Fornos nos documentos da ditadura foi investigado por supostamente ter usado o mote da Campanha da Fraternidade para protestar.

O irmão do funcionário de Pelé investigado pela ditadura, José Fornos Rodrigues, contou ao Estado de Minas que Francisco (falecido há pouco mais de dois anos) prestou serviços de consultoria ao “Rei” e a outros dois jogadores em 1973 e 1974. Francisco Fornos era despachante aduaneiro no Porto de Santos. “Meu irmão entendia da burocracia  e de comércio exterior. Ele ficou só um ano com o Pelé, até que a empresa de que cuidava deu a partida”, lembra .

Segundo Rodrigues, o irmão era um militante petista, católico, defensor da teoria libertária e que nunca participou de qualquer luta armada. “Ele era um idealista e sonhava com um mundo melhor. Não tinha nada a esconder. Ele cuidava do coro da igreja. Nunca se envolveu com grupos armados. Contei que os militares investigaram o Francisco para a minha ex-cunhada (esposa dele), assim que recebi o e-mail do Estado de Minas,e ela deu risada. ‘Meu marido era um santo’, ela falou”, comentou José Fornos.

Cinco anos depois, Pelé voltou a ser alvo de atenção dos militares ao pleitear alteração da restrição etária do filme Os trombadinhas. A Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), órgão ligado à Polícia Federal, entendeu como um ato de desobediência o “lobby” feito por Pelé para transformar a censura 14 anos em livre. Como “lição”, o filme ficou retido por oito meses.

Copa contra militantes

Os militares usaram a Copa do Mundo de 1970 para tentar jogar a população contra os movimentos de esquerda que faziam oposição à ditadura. Documentos do Ministério da Aeronáutica, de 1970, mostram que militares relacionaram o sequestro do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, em junho, ao desempenho do Brasil em campo. A intenção era sugerir que o atentado tinha influência no resultado da Seleção Brasileira, comandada à época por Mário Jorge Lobo Zagallo e que garantiu o tricampeonato brasileiro (Na foto, Pelé comemora o primeiro gol do Brasil na decisão do Mundial). Nos relatórios, os militares pontuam que o técnico e o time estavam “alarmados” e que o sequestro realizado no Rio de Janeiro poderia “influir no estado de espírito dos jogadores”, que estavam no México. Em troca da liberdade do embaixador, os militantes exigiam a soltura de 40 presos políticos. A ação foi atribuída à Vanguarda Popular Revolucionária e à Frente de Libertação Nacional.