A análise de um único item levantado pela defesa consumiu mais de três horas de debates e foi capaz de alterar todo o cronograma de julgamento, cuidadosamente elaborado pelo Supremo há dois meses. Ao final, com apenas dois votos favoráveis à remessa do processo de parte dos acusados para a primeira instância da Justiça, nove ministros decidiram pela competência da Corte para julgar em bloco os 38 réus, dos quais apenas três têm direito a foro especial: os deputados federais João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP). O atraso provocou a transferência para hoje da sustentação oral do procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele terá cinco horas para fazer as acusações contra os réus, que respondem pelos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, evasão de divisão, formação de quadrilha, gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e peculato. A expectativa é de que Gurgel sugira as penas para cada um deles.
Bombeiro
Ao contrário do esperado, o clima ficou tenso somente entre os integrantes do plenário. A plateia, com 243 cadeiras, ficou apenas parcialmente ocupada e não houve manifestações públicas, que estavam vetadas pelo STF, conforme cartilha de orientação ao público. Apesar da formalidade da Corte, a sessão reservou algumas surpresas, como a atuação do ministro Marco Antônio de Mello, conhecido por ser polêmico, mas que agiu como bombeiro em um dos momentos de tensão entre Barbosa e Lewandowski.
O relator, de pé, devido às fortes dores crônicas que sente nos quadris, questionou a intenção do revisor ao defender o desmembramento. “O senhor é revisor do processo há dois anos e só agora viu isso?”. Lewandowski exigiu mais respeito e foi interrompido por Marco Aurélio com um pedido: “Vamos manter o nível e não descambar para o campo pessoal”. Marco Aurélio foi o único a acompanhar o voto do revisor, e, durante toda a sessão, fez várias intervenções que já indicavam a sua posição. Ele chegou a dizer que estava feliz por não ser mais uma vez a única voz discordante do Supremo.
Recurso
O pedido de desmembramento foi apresentado pelo ex-ministro da Justiça do governo Lula, o advogado Márcio Thomaz Bastos, responsável pela defesa do ex-diretor do Banco Rural José Roberto Salgado, depois de ter vários pedidos negados durante a instrução do processo. "Embora esse processo tenha andamento sem retardamento e sem demora, garanta àqueles que não têm foro de prerrogativa pelo menos o direito ao duplo grau de jurisdição", defendeu Bastos. Reforçaram o pedido os advogados Marcelo Leonardo, que defende o empresário Marcos Valério, acusado de ser o operador do esquema, e Luis Fernando Pacheco, representante do ex-deputado José Genoino, presidente do Partido dos Trabalhadores na época do escândalo.
O presidente do STF, ministro Ayres Britto, que demonstrou firmeza durante toda a sessão, impediu que o advogado Alberto Toron, responsável pela defesa do deputado federal João Paulo Cunha – presidente da Câmara dos Deputados no período do suposto esquema –, apresentasse uma nova questão de ordem. Toron queria questionar novamente o tribunal sobre o uso de elementos audiovisuais nas sustentações dos advogados. O STF negou esse pedido anteontem. Toron alegou que a decisão foi por 5 a 4 votos, mas como dois ministros não se pronunciaram, o resultado poderia ser alterado. Britto o interrompeu, disse que a questão já havia sido decidida e deu a palavra a Joaquim Barbosa, para a leitura de um resumo de seu relatório.
10 ministros
Com a transferência para hoje da sustentação da denúncia e consequente atraso no cronograma do julgamento do processo do mensalão, fica cada vez mais forte a hipótese de o ministro Cezar Peluso não participar até o final. Ele completa 70 anos em 3 de setembro e vai se aposentar nessa data. Ontem, ao fim da sessão, advogados já davam como certa a chance de o mensalão ser julgado por apenas 10 ministros. Existe a possibilidade de Peluso apresentar seu voto antes de se aposentar, mas ele só pode se posicionar a favor ou contra a condenação dos réus depois que o relator da ação, Joaquim Barbosa, e o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, lerem seus votos em plenário.
Confira o novo cronograma do julgamento do mensalão, após os atrasos provocados pela análise de uma questão de ordem que pedia o desmembramento do processo ontem.
Hoje
Às 14h, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, terá cinco horas para sustentar as acusações contra 36 dos 38 réus. Por falta de provas, ele pedirá a absolvição do ex-ministro da Secretaria de Comunicação do governo federal Luiz Gushiken e do ex-assessor parlamentar Antonio Lamas
Segunda-feira
Começa a fase de sustentação oral dos advogados dos réus do mensalão. Falarão em plenário os defensores de José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério e Ramon Hollerbach. Cada um terá uma hora para fazer a defesa de seu cliente.
Terça-feira em diante
Sustentações orais têm prosseguimento ao longo de todos os dias úteis até o dia 15. A cada dia, cinco advogados subirão à tribuna.
A partir de 16 de agosto
O relator do processo, Joaquim Barbosa, começa a votar. Ele levará pelo menos três dias lendo o voto. Na sequência, os demais ministros votam também. A partir desta data, o julgamento terá três sessões semanais, às segundas, quartas e quintas-feiras, sempre a partir das 14h. A previsão é de que o julgamento termine em setembro.