Jornal Estado de Minas

Novas críticas ao relator do processo do mensalão

Um dia após Barbosa e Lewandowski baterem boca, Marco Aurélio afirma que divergências não devem ser levadas para o lado pessoal e diz temer gestão do colega no comando do STF

Diego Abreu Ana Maria Campos
Joaquim Barbosa divulgou nota ressaltando que "urbanidade, às vezes, expõe a falta de responsabilidade" - Foto: FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR O bate-boca protagonizado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski na quinta-feira, primeiro dia do julgamento do mensalão, repercutiu entre os magistrados e advogados que acompanharam a sessão de ontem. Enquanto o embate aconteceu em plenário, o ministro Marco Aurélio Mello tentou apaziguar os ânimos, mas ontem ele deixou de lado o tom conciliador adotado durante a troca de farpas e passou à condição de incendiário, ao dirigir críticas ao colega Joaquim Barbosa, relator do processo.
Marco Aurélio disse ter ficado “pasmo” com o que viu em plenário e lamentou que o bate-boca tenha ocorrido na Suprema Corte. “Fiquei pasmo com o que vi ontem. Inclusive com adjetivações impróprias, em se tratando de um colegiado desse nível”, comentou o ministro em conversa com jornalistas minutos antes de a sessão de ontem ser iniciada.

Magistrado do Supremo desde 1990, ele aconselha os colegas a não levarem as divergências de pensamento para o lado pessoal. O ministro demonstrou ainda um certo grau de preocupação com o futuro próximo da Suprema Corte, que passará a ser comandada por Joaquim Barbosa a partir de novembro, quando o atual presidente, Carlos Ayres Britto, se aposentará compulsoriamente.

“Precisamos discutir ideias, não deixando, de forma alguma, descambar para o campo pessoal. Já me assusta o que poderemos ter após novembro”, admitiu Marco Aurélio, referindo-se à posse de Joaquim no comando do STF. “Espero que não haja novos incidentes e que o julgamento se desenrole num clima de normalidade maior”, acrescentou.

Ao ser questionado se acredita em novos embates quando o relator for contrariado por colegas, Marco Aurélio foi irônico: “Será que ele se arvora em censor dos colegas?”, questionou, antes de encerrar a entrevista. Joaquim Barbosa já protagonizou outras discussões com grande repercussão, com os ministros Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Eros Grau (já aposentado) e até o próprio Marco Aurélio.

Discussão
A indisposição entre Barbosa e o revisor da ação penal do mensalão, Ricardo Lewandowski, teve origem no debate acerca da questão de ordem levantada pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado do réu José Roberto Salgado, que pedia o desmembramento do processo em relação aos 35 réus que não têm foro privilegiado. Depois de o relator posicionar-se pela rejeição do pedido, Lewandowski iniciou seu voto, nessa questão preliminar, manifestando-se favorável à remessa de grande parte do processo para a primeira instância da Justiça. Barbosa, então, afirmou que o colega estaria agindo com “deslealdade”, uma vez que, em ocasiões anteriores, já havia se manifestado de forma contrária. Barbosa também tratou o debate como “irresponsável”.

Com um tom de voz mais alto e visivelmente irritado, o revisor reagiu, reclamando que o relator interrompeu seu voto. Ele pediu que Barbosa usasse “argumentos jurídicos”, e não ataques pessoais. Foi naquele momento que Marco Aurélio interveio, na tentativa de “apagar o incêndio”. “Não podemos levar para o pessoal”, disse.

Urbanidade  Barbosa divulgou nota à imprensa, ontem à noite, em resposta às críticas de Marco Aurélio. Embora não tenha tecido ataques ao colega, o relator enfatizou que nem sempre a “urbanidade”, no sentido de polidez, é o melhor meio. “Em qualquer atividade humana, urbanidade e responsabilidade são qualidades que não se excluem. Mas, às vezes, a urbanidade presta-se a ocultar a falta de responsabilidade. A propósito, é com extrema urbanidade que muitas vezes se praticam as mais sórdidas ações contra o interesse público”, destacou.

Para o advogado Alberto Zacharias Toron, advogado do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), um dos réus do mensalão, não é improvável que outros embates mais ríspidos ocorram ao longo do julgamento, que deverá se estender pelo menos até o meio de setembro. Toron reprovou a atitude de Joaquim e ponderou que há outras formas de criticar um voto. “Os embates são normais, mas a nível de discussões.” Ao se referir à questão de ordem apreciada no primeiro dia de sessão, Toron observou que “todos os ministros elogiaram a pessoa do relator, mesmo tendo a posição diametralmente oposta”. “É possível você se contrapor a uma posição jurídica sem haver desrespeito pessoal”, completou.