"No Brasil, a legislação foi verdadeiramente atropelada pela realidade. Ao tentar, de maneira míope, proteger os trabalhadores simplesmente ignorando a terceirização, conseguiu apenas deixar mais vulneráveis os brasileiros que trabalham sob essa modalidade de contratação. As relações de trabalho na prestação de serviços a terceiros reclamam urgente intervenção legislativa, no sentido de definir as responsabilidades do tomador e do prestador de serviços e, assim, garantir os direitos dos trabalhadores", traz a justificativa do projeto, assinada pelo deputado Sandro Mabel (PR-GO).
A matéria já recebeu 25 emendas parlamentares na Câmara. Entre as alterações encampadas pelo relator Arthur Maia está artigo em que a empresa prestadora do serviço deverá ter competência específica e comprovada, por exemplo, por meio de uma certificação. O objetivo social deverá ser único – exceto para atividades que se encaixem na mesma área de conhecimento –, evitando assim a chamada “empresa faz tudo”.
Para evitar prejuízo para a contratante, a empresa poderá entrar com ação de regresso contra a empresa prestadora do serviço, cobrando o recurso pago. E ainda será possível pleitear uma indenização, que terá valor equivalente ao montante pago ao trabalhador. Boa parte das ações que tramitam na Justiça do Trabalho dizem respeito justamente a “calote” dado aos empregados pela prestadora de serviço.
Há ainda um artigo que traz a possibilidade de os terceirizados receberem os benefícios oferecidos aos funcionários da empresa, tais como atendimento médico, ambulatorial e vale-refeição. O projeto também regulamenta a chamada quarteirização ao tratar da possibilidade de a empresa prestadora de serviços subcontratar outra empresa para a execução. Nesses casos, a primeira responderá solidariamente pelas obrigações trabalhistas assumidas pela subcontratada.
Os argumentos pró-terceirização não encontram respaldo na Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Para o presidente da entidade, Renato Sant’Anna, ainda com o pensamento no passado, o mecanismo de contrato é inconstitucional, porque o terceirizado se torna uma categoria inferior. “Muitas vezes ele tem uma remuneração menor que o efeitivo e tem dificuldade até mesmo para se associar a um sindicato”, justifica.
Até o tribunal defende uma nova legislação
Sem previsão legal, coube à Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) trazer as únicas regras para a terceirização no Brasil. O texto prevê a modalidade de contrato apenas para as chamadas atividades-meio das empresas, o que significa serviços como limpeza, conservação e vigilância. Enquanto a súmula está em vigor, qualquer contrato que não siga a norma é considerado irregular.
Mas até mesmo o TST admite que é necessário uma lei sobre o assunto. Em evento realizado no fim do ano passado, o presidente da mais alta Corte da Justiça do Trabalho, João Oreste Dalazen, reconheceu que a terceirização é “um fenômeno irreversível”. A normatização seria uma forma também de diminuir o número de reclamações trabalhistas. Para se ter uma ideia, tramitam atualmente no tribunal cerca de 5 mil ações envolvendo o tema.
A maior parte das ações diz respeito ao não pagamento dos encargos trabalhistas pelas empresas prestadoras do serviço. Mas há ainda a constatação de que a terceirização pode levar a um enfraquecimento dos sindicatos – pois podem atuar na empresa trabalhadores vinculados a diferentes empregadores – e um aumento do número de acidentes de trabalho pela falta de treinamento adequado e segurança aos terceirizados.
Para o relator do projeto de lei que regulamenta a terceirização, deputado federal Arthur Maia (PMDB-BA), a aprovação do texto é fundamental para fortalecer o mecanismo e evitar que a relação trabalhista se precarize. Uma forma de garantir o direito dos trabalhadores é o artigo que prevê a responsabilidade da empresa contratante e da contratada sobre os encargos dos terceirizados e a garantia de recursos para a quitação de dívidas que possam surgir ao final do contrato, por meio de imobilização de parte do capital social da contratada.
“Hoje, a terceirização é uma realidade e necessidade da indústria brasileira. É inadmissível que um instrumento tão usado não tenha um marco regulatório”, afirma o parlamentar. Ele argumenta ainda que a Súmula 331 do TST não é suficiente, porque ela traz uma regra geral que não se adequa a setores que terceirizam quase todas as suas atividades pela exigência de especialização, como a indústria automobilística, agrícola, telecomunicações e da construção civil.
Principais pontos do PL 4.330/04
» O contrato deve versar sobre serviços determinados e específicos.
» Podem ser terceirizadas as atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica do contratante.
» A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, ficando-lhe ressalvada ação regressiva contra a devedora. E nessa ação será devida também uma indenização no mesmo valor da importância paga ao trabalhador.
» A empresa prestadora de serviços a terceiros que subcontratar outra empresa para a execução do serviço é solidariamente responsável pelas obrigações trabalhistas assumidas pela empresa subcontratada.
» Garantia de recursos para a quitação de dívidas que possam surgir ao final do contrato, por meio da imobilização de parte do capital social.