A aprovação da proposta pode colocar um ponto final na polêmica envolvendo magistrados, promotores, trabalhadores e empresários em torno da relação trabalhista que nas duas últimas décadas se tornou uma alternativa necessária diante da crescente especialização das funções. Esses, aliás, são os argumentos usados por quem defende a terceirização e a quarteirização – quando uma empresa terceirizada subcontrata outra para prestar parte do serviço previsto.
"No Brasil, a legislação foi verdadeiramente atropelada pela realidade. Ao tentar, de maneira míope, proteger os trabalhadores simplesmente ignorando a terceirização, conseguiu apenas deixar mais vulneráveis os brasileiros que trabalham sob essa modalidade de contratação. As relações de trabalho na prestação de serviços a terceiros reclamam urgente intervenção legislativa, no sentido de definir as responsabilidades do tomador e do prestador de serviços e, assim, garantir os direitos dos trabalhadores", traz a justificativa do projeto, assinada pelo deputado Sandro Mabel (PR-GO).
A matéria já recebeu 25 emendas parlamentares na Câmara. Entre as alterações encampadas pelo relator Arthur Maia está artigo em que a empresa prestadora do serviço deverá ter competência específica e comprovada, por exemplo, por meio de uma certificação. O objetivo social deverá ser único – exceto para atividades que se encaixem na mesma área de conhecimento –, evitando assim a chamada “empresa faz tudo”.
Ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho em Minas Gerais, o desembargador aposentado e advogado Dárcio Guimarães de Andrade se diz favorável à terceirização. “Com a aprovação do mencionado projeto após as discussões, diminuirão bastante as reclamações trabalhistas”, afirma. Entre os pontos ressaltados por ele está a responsabilização subsidiária da empresa contratante pelas dívidas trabalhistas, o que significa que, caso a terceirizadora não arque com os encargos, a contratante é obrigada a realizar os pagamentos.
Para evitar prejuízo para a contratante, a empresa poderá entrar com ação de regresso contra a empresa prestadora do serviço, cobrando o recurso pago. E ainda será possível pleitear uma indenização, que terá valor equivalente ao montante pago ao trabalhador. Boa parte das ações que tramitam na Justiça do Trabalho dizem respeito justamente a “calote” dado aos empregados pela prestadora de serviço.
Há ainda um artigo que traz a possibilidade de os terceirizados receberem os benefícios oferecidos aos funcionários da empresa, tais como atendimento médico, ambulatorial e vale-refeição. O projeto também regulamenta a chamada quarteirização ao tratar da possibilidade de a empresa prestadora de serviços subcontratar outra empresa para a execução. Nesses casos, a primeira responderá solidariamente pelas obrigações trabalhistas assumidas pela subcontratada.
Os argumentos pró-terceirização não encontram respaldo na Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Para o presidente da entidade, Renato Sant’Anna, ainda com o pensamento no passado, o mecanismo de contrato é inconstitucional, porque o terceirizado se torna uma categoria inferior. “Muitas vezes ele tem uma remuneração menor que o efeitivo e tem dificuldade até mesmo para se associar a um sindicato”, justifica.
Até o tribunal defende uma nova legislação
Sem previsão legal, coube à Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) trazer as únicas regras para a terceirização no Brasil. O texto prevê a modalidade de contrato apenas para as chamadas atividades-meio das empresas, o que significa serviços como limpeza, conservação e vigilância. Enquanto a súmula está em vigor, qualquer contrato que não siga a norma é considerado irregular.
Mas até mesmo o TST admite que é necessário uma lei sobre o assunto. Em evento realizado no fim do ano passado, o presidente da mais alta Corte da Justiça do Trabalho, João Oreste Dalazen, reconheceu que a terceirização é “um fenômeno irreversível”. A normatização seria uma forma também de diminuir o número de reclamações trabalhistas. Para se ter uma ideia, tramitam atualmente no tribunal cerca de 5 mil ações envolvendo o tema.
A maior parte das ações diz respeito ao não pagamento dos encargos trabalhistas pelas empresas prestadoras do serviço. Mas há ainda a constatação de que a terceirização pode levar a um enfraquecimento dos sindicatos – pois podem atuar na empresa trabalhadores vinculados a diferentes empregadores – e um aumento do número de acidentes de trabalho pela falta de treinamento adequado e segurança aos terceirizados.
Para o relator do projeto de lei que regulamenta a terceirização, deputado federal Arthur Maia (PMDB-BA), a aprovação do texto é fundamental para fortalecer o mecanismo e evitar que a relação trabalhista se precarize. Uma forma de garantir o direito dos trabalhadores é o artigo que prevê a responsabilidade da empresa contratante e da contratada sobre os encargos dos terceirizados e a garantia de recursos para a quitação de dívidas que possam surgir ao final do contrato, por meio de imobilização de parte do capital social da contratada.
“Hoje, a terceirização é uma realidade e necessidade da indústria brasileira. É inadmissível que um instrumento tão usado não tenha um marco regulatório”, afirma o parlamentar. Ele argumenta ainda que a Súmula 331 do TST não é suficiente, porque ela traz uma regra geral que não se adequa a setores que terceirizam quase todas as suas atividades pela exigência de especialização, como a indústria automobilística, agrícola, telecomunicações e da construção civil.
Principais pontos do PL 4.330/04
» O contrato deve versar sobre serviços determinados e específicos.
» Podem ser terceirizadas as atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica do contratante.
» A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, ficando-lhe ressalvada ação regressiva contra a devedora. E nessa ação será devida também uma indenização no mesmo valor da importância paga ao trabalhador.
» A empresa prestadora de serviços a terceiros que subcontratar outra empresa para a execução do serviço é solidariamente responsável pelas obrigações trabalhistas assumidas pela empresa subcontratada.
» Garantia de recursos para a quitação de dívidas que possam surgir ao final do contrato, por meio da imobilização de parte do capital social.