Inspirada na experiência italiana de combate à máfia, a versão brasileira da lei de delação premiada apresenta inconsistências que têm gerado centenas de contradições entre representantes do MP e magistrados. A fragilidade legal do instituto da delação premiada acarreta uma avalanche de pedidos de habeas corpus, de defensores que pedem a aplicação da redução de pena antes mesmo de o processo ter uma sentença.
O procurador regional da República em São Paulo, Pedro Barbosa, aponta como emblemático o caso do doleiro Vivaldo Alves, o Birigui, que colaborou em investigação contra o deputado Paulo Maluf. O processo corre desde 2005 e, apesar de ter contribuído com as investigações, o doleiro segue como réu. Durval Barbosa, que denunciou esquema de corrupção no governo do Distrito Federal, também foi “premiado” por colaborar, mas não deixou de ser réu.
Barcelona
Em maio, a defesa do doleiro Antônio Oliveira Claramunt, conhecido como Toninho Barcelona, entrou com pedido de habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) tentando evitar que o cliente cumprisse pena. Segundo os advogados, o acordo de delação previa redução da pena, que já estaria prescrita, se calculada pela sugestão do Ministério Público Federal. A liminar, no entanto, foi indeferida.
No Brasil, o episódio mais bem-sucedido de delação premiada envolve as investigações de fraudes no Banco do Estado do Paraná (Banestado). Para apurar denúncias de desvio de recursos para contas no exterior no processo de privatização do banco, autoridades ofereceram benefícios penais a acusados colaboradores e conseguiram avançar na obtenção de provas. Regidas pela Lei 9.807/99, as regras de “proteção a réus colaboradores” preveem que o juiz poderá conceder perdão judicial ou redução de um a dois terços da pena de acusados que ajudarem a identificar coautores da ação criminosa, localizar vítimas ou recuperar parte do produto do crime.
Divergência sobre falta de provas
Brasília – Antes de sentenciar o destino dos réus do mensalão, os ministros do Supremo Tribunal Federal terão de enfrentar um dilema que aflige também magistrados de outras instâncias do Judiciário brasileiro. Em crimes como o de corrupção, muitos juízes resistem em basear suas decisões apenas em relatos de testemunhas e exigem provas cabais, como recibos, comprovantes de depósito, cheques assinados ou gravações telefônicas feitas com autorização judicial. Ciente desse entendimento ainda dominante em muitos tribunais, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fez questão de mostrar ao STF que, apesar da escassez de provas materiais, a peça acusatória da Ação Penal 470 é bem embasada e suficiente para a condenação.
Nos primeiros sete dias de julgamento do mensalão, os advogados de 25 réus subiram à tribuna do Supremo e, de forma unânime, se empenharam para desqualificar a acusação. Um dos principais argumentos dos advogados é a ausência de documentos que comprovem a existência do esquema de compra de votos de parlamentares. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, diz que a exigência da chamada prova cabal nos crimes de corrupção é um entendimento ultrapassado, mas reconhece que essa mentalidade ainda é recorrente no Judiciário. “Os esquemas de corrupção são extremamente sofisticados e as pessoas agem com empenho para não deixar vestígios.”
O criminalista Nabor Bulhões, convidado para ficar à disposição do STF durante o julgamento do mensalão e atuar em caso de algum abandono da causa, discorda. Para ele, a legislação penal brasileira exige a apresentação de provas inequívocas, mesmo para crimes de corrupção. “Nos crimes materiais ou de resultado é fundamental a prova material. Não basta uma testemunha dizer que uma pessoa exigiu vantagem de outrem e a recebeu.”