A Comissão de Memória e Verdade da Universidade de Brasília (UnB) vai investigar a suspeita que o ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), Anísio Teixeira, foi assassinado em março de 1971, por agentes do Estado, após ser sequestrado e levado para uma unidade da Aeronáutica, quando se dirigia à casa do filólogo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, no Flamengo, no Rio de Janeiro. Segundo a nova versão, Anísio sofreu tortura e foi encontrado com vários ossos quebrados e traumatismo na cabeça e no ombro, devido a pancadas com objeto de forma cilíndrica, possivelmente feito de madeira.
“Essa suspeita perdura até hoje entre os familiares. Nunca se soube uma situação que objetivamente que negasse isso. Muito pelo contrário, ficaram sempre situações não esclarecidas. Então, não nos surpreendeu [a revelação do professor João Augusto] porque, vez por outra, já tinham sido levantadas que se processaria alguma coisa no sentido de investigar isso”, confirmou o médico psiquiatra Carlos Antônio Teixeira, terceiro filho de Anísio Teixeira.
Segundo a versão oficial, o ex-reitor morreu após cair acidentalmente no poço do elevador de serviço do prédio onde morava Aurélio Buarque. Conforme Carlos Antônio, a família sempre desconfiou da versão, mas temia buscar investigação aprofundada. “Nós, na verdade, não víamos clima e nem maior mobilização para isso. Por isso, nos mantivemos distantes. Na época, tentamos clarear os fatos, mas as coisas tomaram o caminho de querer culpar o mordomo, aí desistimos de prosseguir”, disse, ao salientar que a família “sempre se dispôs” à qualquer iniciativa de investigação apesar de nunca ter tomado a frente. “A família tinha medo de sofrer retaliações”, complementa o professor João Augusto.
A suspeita sobre as circunstâncias da morte de Anísio Teixeira será investigada pela Comissão de Memória e Verdade da UnB, que por coincidência tem o nome do ex-reitor, em uma homenagem a ele. A informação é do historiador da UnB José Otávio Nogueira Guimarães, coordenador de investigação da comissão. “Anísio Teixeira era alguém que incomodava. Ele foi cassado [depois do golpe militar de 1964], mas não tinha posições de esquerda explícita. Tinha, porém, projetos e uma forma de pensar que certamente não agradava o regime”, avalia o historiador.
Conforme o professor João Augusto, quem primeiro confidenciou a versão de assassinato foi Luís Viana Filho, que a época (dezembro de 1988) escrevia o livro Anísio Teixeira: a Polêmica da Educação (Editora Unesp). Viana, que apoiou o golpe e era próximo do marechal Castelo Branco (primeiro presidente militar), “teve informação de que Anísio não tinha morrido, estava detido em instalações da Aeronáutica no Rio.”
O segundo depoimento foi de Afrânio Coutinho (março de 1989) na casa e na presença de James Amado (irmão de Jorge Amado) e da sua esposa Luiza Ramos (filha de Graciliano Ramos). “Ele me disse que presenciou a necrópsia de Anísio Teixeira. Pelos ossos que estavam quebrados de Anísio, ele não admitia que tenha sido queda. Quase todos os ossos estavam quebrados. A versão era de que ele foi sequestrado no caminho [à casa de Aurélio Buarque] e submetido à tortura”. Conforme o relato de Afrânio, “Anísio também disse a ele que estava recebendo telefonemas com ameaças.”
Carlos Antônio Teixeira acrescenta que no momento do suposto sequestro, Anísio tinha em sua pasta um texto do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão (que estava na clandestinidade, mas era contra a guerrilha). O texto, que desapareceu, foi dado ao ex-reitor pelo próprio filho – ele, sim, militante do PCB. “Era um documento crítico. Falava da ditadura, não falava das pessoas, mas das perspectivas próximas e imediatas”, descreveu Carlos Antônio. De acordo com ele, o pai “achou o texto lúcido e por causa da clandestinidade do Partidão não se afastava fisicamente do documento.” A pasta e outros documentos de Anísio Teixeira foram devolvidos à família.
Além de Afrânio Coutinho, a necrópsia de Anísio Teixeira foi testemunhada pelos médicos e amigos do ex-reitor: Diolindo Couto (neurologista), Domingos de Paola (professor titular de anatomia patológica) e Francisco Duarte Guimarães (anatomopatologista do do Hospital dos Servidores). Todos os três médicos, assim como Afrânio Coutinho e Luís Viana Filho, já estão mortos.
A Comissão de Memória e Verdade da UnB deverá fazer a primeira reunião de trabalho na próxima semana e terá acesso ao acervo do Arquivo Nacional, entre outros, além de ser apoiada pela Comissão da Verdade do governo federal, a quem deverá encaminhar o relatório final.
Procurado, o Ministério da Defesa informou que não irá se manifestar sobre o assunto e que o caso deve ser tratado no âmbito da Comissão da Verdade.