Se a crise vivida pela Polícia Federal tem sua face mais visível na paralisação das diversas categorias da corporação, a desvalorização do trabalho da Polícia Judiciária da União pode ser medida pelo encolhimento de efetivo, excesso de trabalho, doenças e até um número assustador de suicídios, em média um por mês no último ano. O apogeu da PF foi vivido no primeiro governo Lula, quando o efetivo chegou a 15 mil agentes, de acordo com associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), e hoje conta com apenas 11 mil, uma queda de 26,6%. No horizonte, o único aceno é a realização de um concurso para 1,2 homens até 2013, fazendo com que a PF tenha à porta dos grandes eventos – Copa do Mundo, em 2014, e Olimpíadas, em 2016 – pessoal aquém do ideal. São 6,9 mil agentes e 1,7 mil delegados para cuidar de todas as fronteiras e combater crimes.
O presidente da Associação dos Delegados Federais, Marcos Leôncio, admite a crise e vai mais longe. Diz que a solução só virá com a edição da adoção da lei orgânica da PF e completa reestruturação administrativa, que inclui criação de cargos e definição de funções. “São essas omissões que alimentam as disputas internas. Não existe solução a curto prazo”, defende.
FRATRICIDA Segundo Leôncio, o projeto de criação da lei orgânica da corporação foi enviado pelo Executivo em 2009, mas está esquecido na burocracia do Congresso. “O governo não chamou para si a responsabilidade de promover a reestruturação, única forma de gerar estabilidade na corporação. Fez como Pôncio Pilatos: lavou as mãos.”
Para Leôncio, a corporação tem hoje duas estruturas: uma formal e outra informal. “São chefias que existem de fato, mas não de direito. O servidor responde por uma função que não existe formalmente, mas que é necessária para o trabalho”, explica. O dirigente lembra que várias estruturas do governo passaram por esse processo de reestruturação, como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e a Controladoria-Geral da União (CGU), e estão pacificadas. É indispensável a redistribuição de funções e cargos”, defende.
Mesmo reivindicando reajuste de 30% para delegados, a ADPF diz que o maior problema hoje é a desvalorização do servidor da PF, que tem atuado com desestímulo. De acordo com Leôncio, para dimensionar o tamanho do problema, basta comparar a gratificação de chefia da Polícia Civil de Brasília com a de um delegado federal. A gratificação da polícia judiciária estadual é de R$ 3,1 mil para chefiar uma delegacia, sendo que na PF o benefício para exercício da mesma função é R$ 323. Ou seja, cerca de 90% menor.
Para demonstrar a improvisação, Marcos Leônio lembra que em 17 unidades de fronteiras 780 policiais federais aguardam a implantação da indenização, que será de R$ 91 por dia. “Apesar da importância, só esse estímulo não resolve porque é necessário também o aumento do efetivo, por exemplo, em Ponta-Porã (MS), onde é feito um flagrante a cada 24 horas. “O servidor nessa função tem o subsídio e não faz jus, por exemplo, ao adicional noturno, sofre com sobrecarga e não tem descanso definido”, explica.
ENCOLHE Esta realidade, diz o presidente, fez crescer também o número de casos de depressão, alcoolismo e desagregação familiar. “Nem os números atualizados das doenças ocupacionais nós temos. Sabemos que a média de suicídios é alta, em razão de levantamento do Sindicato dos Agentes Federais. Somente na Superintendência de Brasília, neste ano, foram três suicídios”, afirma.
Levantamento da ADPF revela ainda que, até dezembro de 2015, o efetivo da PF deverá encolher mais, porque estão previstas cerca de 1,2 mil aposentadorias, 238 por ano. Desse total, em média, 25 delegados vão deixar a corporação por ano. O estudo mostra ainda que existem hoje no país apenas 17 unidades de combate a desvio de recursos públicos e crimes financeiros, quando o enfrentamento eficaz exige implantação de 27 unidades.