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Estado de Minas

Julgamento do mensalão vira palco de trechos de músicas e literatura

Advogados abusam de trechos de músicas e de clássicos da literatura na defesa. Até Drummond e Camões são evocados


postado em 19/08/2012 07:29

"Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações" de Chico Buarque, na música Vai passar, citada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel

Dono de uma biografia esquerdista e apoiador histórico do PT, Chico Buarque virou símbolo da primeira fase do julgamento do mensalão, quando suas composições se transformaram em munição tanto da acusação quanto da defesa dos réus. Mas as citações literárias e musicais não se restringiram aos versos dos sambas de protesto. Para conquistar a atenção dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e tentar convencê-los da inocência de seus clientes, os 38 advogados que subiram à tribuna nos oito dias de sustentações orais deixaram um pouco de lado o juridiquês para exercitar a verve literária. O primeiro a lançar uma referência cultural foi o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Ele fez a mais simbólica citação do julgamento, ao recitar versos do samba Vai passar, de Chico Buarque: “Dormia a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações”. A frase causou reações entre os defensores dos réus e vários advogados recorreram ao mesmo autor para rebater os argumentos de Gurgel.

“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”, respondeu o advogado Leonardo Yarochewsky, em uma referência à composição Apesar de você. As duas músicas de Chico Buarque mencionadas no STF foram compostas durante a ditadura militar e são conhecidas por conter críticas implícitas ao regime. Agora, são usadas no julgamento que vai decidir o destino dos principais líderes do partido apoiado por Chico Buarque. A assessoria do cantor informou que ele prefere não comentar as recorrentes citações no julgamento do mensalão.

Ainda na seara musical, a terceira citação ficou por conta do advogado Luís Maximiliano Leal Telesca Mota. Em sua sustentação oral, ele usou um verso da música O tempo não para, de Cazuza, para criticar a acusação. Do alto da tribuna, Maximiliano apontou para Roberto Gurgel e disparou: “Senhor procurador, a sua piscina está cheia de ratos, mas as suas ideias não correspondem aos fatos”. A acidez do verso do roqueiro foi considerada uma citação agressiva ao procurador, que poucos dias depois criticou as “grosserias” dos advogados.

LITERATOS Apesar das preferências pela MPB, os defensores foram buscar referências e citações entre escritores europeus, com algumas demonstrações de preferência por literatos da Península Ibérica. Miguel de Cervantes, Fernando Pessoa e Camões são alguns dos escolhidos para encorpar as sustentações orais. Mas, antes que as citações se restringissem a ilustres europeus, o nome do poeta Carlos Drummond de Andrade surgiu no plenário. O advogado Marcelo Leal, defensor do deputado federal cassado Pedro Corrêa, leu um trecho do poema “Morte do leiteiro”. Segundo Leal, a citação era para dizer que o caso vai representar “uma aurora, um alvorecer para a democracia”.

Leal, que colaborou com a Comissão de Reforma do Código Penal do Senado, foi o advogado que mais recorreu a referências literárias durante os 60 minutos de que dispôs. Ele mencionou o livro O pêndulo de Foucault, do italiano Umberto Eco, para comparar a denúncia da Procuradoria-Geral da República a “um espelho côncavo”. Para ele, as acusações de Gurgel são distorcidas.

Logo depois, recorreu a uma frase do espanhol Miguel de Cervantes para tentar desmontar os argumentos da denúncia: “Tirado o motivo, tirado o pecado”. Ele queria dar força à tese de que o deputado Pedro Corrêa já integrava a base de apoio do governo federal e, portanto, não precisaria receber mesada para votar nos projetos de interesse do Planalto. Deixando um pouco de lado a literatura europeia, Leal visitou o Oriente Médio para recorrer aos versos do célebre libanês Gibran Khalil Gibran no poema “As sete pombas brancas”: “Vejo uma pinta negra nas asas/da sétima pomba/Hoje, naquele vale, o povo fala/de sete pombas negras que/levantaram voo rumo aos cumes/da montanha nevada”. Para o advogado, a poesia é um exemplo de como generalizações e acusações falsas podem comprometer a credibilidade de uma pessoa.


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