Ao rebater as denúncias contra o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), o ministro Ricardo Lewandowski abriu uma porta para a absolvição de pelo menos 16 acusados de receber dinheiro das empresas de Marcos Valério. Para inocentar presidentes de partidos e parlamentares, o revisor do processo do mensalão pode se basear num precedente ocorrido em 1994 no julgamento do ex-presidente – hoje senador – Fernando Collor de Mello (PTB), no Supremo Tribunal Federal. O argumento é de que para caracterizar o crime de corrupção passiva, é necessário comprovar ato de ofício praticado pelo réu como contrapartida à vantagem recebida.
Um dos integrantes do STF na época, Celso de Mello, que concordou com a tese, vai votar agora também no mensalão. Esse raciocínio foi lembrado ontem por Lewandowski para absolver o deputado João Paulo Cunha. O petista recebeu R$ 50 mil das empresas de Marcos Valério por meio da mulher, Márcia Regina Cunha. Ela esteve em agência bancária em Brasília e sacou o dinheiro em espécie da conta da SMP&B. João Paulo justificou a operação como a entrega de dinheiro do PT para pagar pesquisas eleitorais no município de Osasco (SP).
Para Lewandowski, o Ministério Público “não conseguiu provas nem sequer indícios” de que João Paulo Cunha tenha adotado qualquer medida para favorecer a SMP&B na licitação para contratação de agências de publicidade na Câmara dos Deputados em 2003, quando presidia a Casa. O revisor ressalta que ficou provado nos autos que os R$ 50 mil que a mulher de João Paulo sacou da conta da SMP&B representam uma transferência de recursos do PT para pagar a pesquisa eleitoral, ou seja, foi dinheiro do partido que passou pelas empresas de Marcos Valério. O revisor considerou que tal medida não representou corrupção passiva, peculato ou lavagem de dinheiro.
Isonomia
Seguindo a lógica de Lewandowski, outros políticos que receberam dinheiro de Marcos Valério sob o argumento de que a origem seria o PT podem ter esperança de receber tratamento isonômico no voto do revisor. Se não houve ato de ofício entre o presidente da Câmara que mantinha um contrato com a empresa que repassou o pagamento, outros políticos podem ser ainda mais beneficiados.
Na denúncia, a Procuradoria Geral da República sustenta que os pagamentos foram feitos em troca de apoio político no Congresso ao governo Lula, entre 2003 e 2005. Será necessário, no entanto, comprovar, na visão de Lewandowski, em detalhes, que atos foram praticados em benefício de Marcos Valério. A posição do revisor abre uma divergência, mas não significa que será aceita pelos demais ministros.
O clima entre advogados no plenário retratava o sentimento da defesa em relação ao voto de Lewandowski. A manifestação do revisor devolveu aos defensores a esperança de que seus clientes poderão ser absolvidos. “Está estabelecido o contraditório”, comemorou Márcio Thomaz Bastos, um dos advogados dos réus e autor da tese de caixa dois, quando exercia o cargo de ministro da Justiça no governo Lula. Um experiente jurista que defende um dos réus avalia que o voto do revisor foi “impressionantemente bem articulado”.