Jornal Estado de Minas

Gabinetes de vereadores viram comitês eleitorais

Escritórios de parlamentares em bairros da capital, alugados com dinheiro da Câmara, são usados como QG de campanha

Alice Maciel

Apesar da pintura aparentemente recente, Gunda afirmou que seu escritório está fechado desde o início do período eleitoral - Foto: (Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Cinco vereadores de Belo Horizonte transformaram escritórios de representação parlamentar – custeados com a verba indenizatória – em comitês de campanha. Além das propagandas políticas na porta e dentro dos gabinetes que funcionam em suas bases eleitorais, a equipe de reportagem do Estado de Minas flagrou em alguns desses espaços funcionários do Legislativo municipal trabalhando em horário comercial para a campanha do vereador. Os escritórios, que deveriam servir apenas de apoio ao trabalho parlamentar, custaram aos cofres públicos este ano R$ 62.533,96 referentes ao aluguel dos imóveis e gastos de manutenção, como contas de luz, água e internet.

Os vereadores nem fazem questão de disfarçar a mistura do público com o privado. A vereadora Elaine Matozinhos (PTB), que aluga uma sala no Barro Preto por R$ 568,87 e paga condomínio no valor de R$ 160, nem se deu ao trabalho de tirar da porta do escritório a antiga placa com a identificação “Escritório político da dra. Elaine Matozinhos”. Além do cartaz de campanha colado na porta, a parlamentar pregou na entrada um papel com a contagem regressiva para a votação: “Faltam 46 dias para as eleições”. Uma funcionária informou que não havia mais vagas para trabalhar na panfletagem. “Mas deixa eu cadastrar você aqui. Às vezes a gente precisa”, disse, sem saber que falava com repórter do EM. Logo, pegou um papel, anotou nome, endereço e telefone. “Posso colocar você aqui também para telemarketing?”, perguntou.

No gabinete externo do vereador Gunda (PSL) foi pintado no muro a frase da sua campanha, “Gunda, o vereador do povo”. De janeiro a julho, o Legislativo belo-horizontino gastou R$ 7,8 mil para reembolsar o vereador por despesas com o espaço. Já no escritório parlamentar de Preto do Sacolão (PMDB), a secretária que atendeu a reportagem disse que quem estava cadastrando pessoas para trabalhar na campanha era o funcionário Adriano. Não demorou e ela tirou um cartão da Câmara Municipal com o nome de Adriano Rodrigues, com a identificação “escritório parlamentar” no verso. Ele está na lista de funcionários comissionados do Legislativo que podem ser encontrados no portal da transparência, na internet. Procurado por telefone, Adriano disse que Preto Sacolão está sem recursos. “Estamos buscando recursos com o candidato a prefeito. Assim que a gente tiver a posição de que podemos contratar mais pessoas eu posso ligar para você”, informou.

Pessoas que moram próximo ao escritório de Preto Sacolão – que custou aos cofres públicos R$ 11,4 mil nos seis primeiros meses do ano – informaram que o vereador sempre teve aquele espaço, mas que ficava fechado . “Ele guardava cama elástica, piscina de bolinha, que ele emprestava para o pessoal quando tinha a rua do lazer”, contou a dona de uma loja localizada em frente ao “gabinete-comitê” do vereador, que preferiu não ser identificada. Segundo ela, há cerca de duas semanas o vereador transformou o galpão em comitê.
Embora mantenha a placa de ''escritório político'', Elaine Matozinhos diz que ela é quem paga as despesas do local - Foto: (Leandro Couri/EM/D.A Press)

Xará


Não foi só Preto do Sacolão quem deslocou um funcionário da Câmara para trabalhar em sua campanha. Em uma casa branca, com a propaganda do vereador Sérgio Fernando (PV), localizada no Bairro São José, na Pampulha, outro Sérgio fez o cadastro da reportagem, que foi em busca de um trabalho de panfletagem. Ao informar seu nome brincou: “Meu nome é Sérgio, Sérgio Rocha, para não confundir com o outro”. Eram quase 15h quando a reportagem do Estado de Minas passou por lá e foi atendida pelo funcionário, que estava uniformizado. Ele informou que trabalha no comitê “das oito às oito”, sendo que também figura na lista de servidores da Câmara Municipal.

Hugo Thomé (PMN) é outro que está usando o seu escritório parlamentar para guardar material de campanha: santinhos, cartazes, cavaletes. O aluguel do espaço, localizado no Bairro Salgado Filho, na Região Oeste, custou em junho R$ 3,5 mil e em maio, R$ 2,4 mil. Assim como nos outros escritórios, a secretária pediu o telefone e endereço para a reportagem. Moradores informaram que o escritório sempre existiu, mas só agora, de acordo com eles, virou comitê de campanha.

Sérgio Fernando também disse que assumiu as despesas da casa, onde servidores da Câmara trabalham na campanha - Foto: (Leandro Couri/EM/D.A Press)