A sessão de hoje para dar continuidade ao julgamento do processo do mensalão será marcada pelo fim do suspense sobre a participação do ministro Cezar Peluso na análise da Ação Penal 470. Na véspera do começo de sua participação no julgamento do mensalão, o ministro desconversou sobre a abrangência de seu voto. "Amanhã vocês verão", afirmou. "Não estraguem a surpresa", completou, brincando com jornalistas. Ele se aposenta na segunda-feira, quando completa 70 anos, e é o primeiro da lista dos cinco ministros que darão hoje seus votos contra seis dos 37 réus do processo, no capítulo em que são analisados crimes associados ao desvio de recursos do Banco do Brasil e da Câmara dos Deputados para abastecer o suposto esquema de pagamento de propina à base aliada do governo Luiz Inácio Lula da Silva, em troca de apoio político. Essa é a penúltima participação de Peluso nas sessões do julgamento histórico do Supremo Tribunal Federal. Ele tem presença garantida somente até amanhã, quando o ministro relator, Joaquim Barbosa, deve iniciar a apresentação de seu voto sobre outro item do processo.
Para optar pela via da apresentação do inteiro teor de seu voto de uma única vez, Peluso terá que contar com a autorização de Ayres Britto. Isso porque o artigo 135 do regimento interno da Corte estabelece que, “concluído o debate oral, o presidente tomará os votos do relator, do revisor, se houver, e dos outros ministros na ordem inversa de antiguidade” e que eventuais alterações têm que ser autorizadas pelo presidente do colegiado. Apesar de enfrentar resistências entre os ministros, a antecipação da fala de Peluso pode ser uma solução para um possível problema no julgamento: o empate nos veredictos para algumas das acusações.
O próprio relator, responsável pela adoção do julgamento do caso em fatias – nesse sistema, depois dele e do revisor, cada ministro dá seu voto sobre os réus do item em análise e só depois passa-se ao núcleo seguinte –, já expressou seu temor quanto a um empate com a saída de Peluso, já que a Corte ficaria com 10 integrantes: “Minha preocupação é com a possibilidade de dar empate, porque já tivemos em um passado recente empates que geraram impasses”, disse, recentemente. Contrário à antecipação do voto, entretanto, o ministro Marco Aurélio de Mello considera que a questão do empate tem pouca relevância, já que há saídas para ela: o voto de qualidade, que seria de responsabilidade do presidente Ayres Britto para decidir o resultado, ou, por se tratar de ação penal, o favorecimento do réu com a absolvição. Mas uma terceira via já foi adotada no STF. No caso do julgamento em torno da Lei Ficha Limpa, o colegiado optou por esperar pela indicação do novo ministro para que decidir o placar.
Despedida
Peluso participou ontem de sua última reunião na segunda turma do Supremo e recebeu a tradicional homenagem de despedida dos colegas. O ministro Gilmar Mendes chegou a criticar o sistema de aposentadoria dos ministros. "Nós, neste momento, certamente com uma ponta de tristeza, deploramos esse instituto da aposentadoria compulsória, que faz com que alguém com plena vitalidade, com essa agilidade mental que ele revela em todos os embates, tenha que nos deixar por imposição constitucional e legal", afirmou.
Dança das cadeiras
A aposentadoria do ministro Cezar Peluso abre, na próxima semana, uma vaga para a terceira nomeação da presidente Dilma Rousseff no Supremo Tribunal Federal (STF). Em um ano e oito meses de mandato, ela escolheu dois integrantes da Corte: Luiz Fux, em fevereiro de 2011, e Rosa Weber, em dezembro passado. Um dos nomes cotados é o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, nomeado para o atual cargo em outubro de 2009, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em substituição ao José Antônio Dias Toffoli, quando este foi alcado a ministro do Supremo. Em novembro, o presidente do STF, Ayres Britto, também completará 70 anos e deixará a Corte compulsoriamente. Abre-se, assim, mais uma vaga. Com a aposentadoria de Ayres Britto, o relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa, assumirá a Presidência do STF.
Balança pende para o relator
Enquanto o ministro Cezar Peluso faz mistério sobre o caminho a tomar no julgamento do processo do mensalão, as especulações crescem em relação a seus veredictos. A expectativa é de que ele acompanhe o voto do relator, Joaquim Barbosa, que condenou quase todos os réus do item 3 da denúncia: o empresário Marcos Valério, acusado de ser o operador do mensalão, seus ex-sócios, o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, além do deputado federal João Paulo Cunha (PT/SP). A exceção foi a absolvição do então ministro Secretaria de Comunicação do governo Lula, Luiz Gushiken, que havia sido pedida pelo próprio procurador-geral da República, Roberto Gurgel, por falta de provas.
A sessão de segunda-feira praticamente selou a sorte de cinco dos seis réus: Gushiken foi absolvido e Valério, seus ex-sócios, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, e Pizzolato foram condenados por crimes de corrupção e peculato pelos seis ministros ouvidos até agora: Joaquim Barbosa, o revisor, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Luiz Fux e José Dias Toffoli. O deputado João Paulo balança. Quatro ministros decidiram pela condenação do parlamentar, presidente da Câmara à época do escândalo, pelos crimes de peculato e corrupção passiva, mas o revisor e Dias Toffoli o absolveram. De acordo com a denúncia, Cunha teria recebido R$ 50 mil da agência DNA Propaganda,sacados por sua mulher em um agência bancária em Brasília, por beneficiar a empresa em licitação para contrato com a Câmara dos Deputados. Ele teria ainda contratado empresa´ligada à DNA para sua assessoria pessoal, que teria prestado serviços fictícios. Seu destino pode ser decidido hoje. São necessários dois votos para que ele seja condenado. Todas as decisões tomadas até agora, entretanto, podem ser revistas até a publicação do resultado do julgamento.
O ministro revisor, Ricardo Lewandowski, evitou ontem avaliar a divergência do julgamento em relação às denúncias contra o deputado João Paulo e disse que "cada cabeça é uma sentença". O ministro, no entanto, alfinetou Barbosa, ao sustentar que não é "usual" fazer intervenções nos votos de colegas. "O ministro Joaquim Barbosa proferiu um voto denso e profundo, e acho normal que ele queira defender o ponto de vista dele. Não é usual, mas é legítimo que alguém defenda o seu ponto de vista", afirmou.
Questionado se ficou surpreso com o posicionamento de alguns colegas sobre o caso do petista, Lewandowski desconversou. "Cada cabeça uma sentença, diz o provérbio popular. Cada um tem um modo particular de examinar o julgo probatório e tem de ser respeitado. O resultado vai ser um somatório de forças no plenário", disse. Para o revisor, o próximo debate do julgamento será avaliação sobre gestão fraudulenta. "É um tema ainda pouco abordado no Supremo”, afirmou. (MCP)