Depois de nove anos como integrante do Supremo Tribunal Federal, o ministro Cezar Peluso se despediu ontem da Corte “com um sentimento amargo”. O magistrado usou a expressão para explicar como se sentia após ter condenado cinco réus do mensalão. “Nenhum juiz ciente da sua vocação condena alguém por ódio. Nada constrange mais o magistrado do que condenar o réu em uma ação penal”, justificou ele. O ministro completa 70 anos na próxima segunda-feira, data limite para se aposentar e participa somente até a sessão de hoje do julgamento do mensalão.
Apesar do tom emocional da despedida, Peluso proferiu um voto severo. Além de sugerir a pena de seis anos de prisão e a perda do mandato do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), propôs 16 anos de reclusão e 100 dias, em regime fechado, além de multa de 3 salários mínimos, ao empresário Marcos Valério, acusado de ser operador do esquema, pelos crimes de corrupção ativa e peculato por quatro vezes.
Não foram poupados também os ex-sócios de Valério nas empresas de publicidade, Ramon Hollerbach e Cristiano de Mello Paz, que segundo Peluso, deveriam ter pena de 10 anos e oito meses, em regime fechado, por corrupção ativa e peculato. No entendimento do ministro, Henrique Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato deveria ser apenado com oito anos e quatro meses e multa de um salário mínimo.
Até essa quarta-feira, eram grandes as especulações sobre como Peluso se comportaria às vésperas de sua aposentadoria. Ele poderia ter optado por seu voto completo, antes mesmo do relator e do revisor, ou mesmo se abster de votar. Ao contrário disso, de forma discreta, ele iniciou votando no chamado “núcleo publicitário” do escândalo, conforme metodologia adotada pelo relator. E justificou que avançou na dosimetria das penas, última etapa do julgamento, porque não vai participar dela.
Sem ódio
Em seu discurso, aproveitou para mandar um recado aos réus do mensalão, para que se reconciliem com a sociedade. "O magistrado condena, primeiro, por uma exigência de Justiça. Segundo porque reverencia a lei e a salvaguarda e a garantia da própria sociedade em que todos vivemos. E é ainda por amor ao próprio e respeito aos próprios réus, porque uma condenação é um chamado para, uma vez cumprida a pena, que se reconciliem com a sociedade”, defendeu.
Depois do seu voto, o ministro recebeu várias homenagens do colega e por parte dos advogado de defesa dos 37 réus do processo. O presidente do STF, Carlos Ayres Britto, foi o primeiro: “Vossa excelência é o retrato do seu discurso. Não há um hiato, uma brecha sequer. A autenticidade está nisso, no que se teoriza e o que se pratica. Receba, ministro Peluso, nossa gratidão".
Ele foi seguido pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que trilhou o mesmo caminho e afirmou: Saberíamos que o senhor (Cezar Peluso), no STF, daria ao efêmero a densidade do eterno. O que houve, sem dúvida. Sua passagem ficará gravada na história da Justiça brasileira". O ministro Márcio Thomaz Bastos, defensor de um dos réus, também subiu à tribuna para saudar Peluso e pediu a interrupção da sessão para que todos pudessem cumprimentar o ministro. Ayres Britto acatou o pedido e sessão foi retomada no tempo estabelecido. (Colaborou Helena Mader e Karla Correia)