Comissão da Verdade faz audiência em Pernambuco para colher testemunhos
A Comissão Nacional da Verdade promove na próxima segunda-feira (10), no Recife, audiência pública para ouvir testemunhos sobre perseguições, sequestros, torturas e assassinatos de militantes políticos ocorridos durante a ditadura militar (1964-1985).
Serão ouvidos relatos e colhidos documentos sobre os casos do líder agrário Gregório Bezerra (preso e cassado pelo Ato Institucional nº 1, de abril de 1964); do líder estudantil Cândido Pinto Melo (paraplégico após atentado em 1969 promovido pelo Comando de Caça aos Comunistas %u2013 CCC); do padre Antônio Henrique Pereira Neto (auxiliar de dom Hélder Câmara que foi mutilado e morto também pelo CCC em 1969); e dos amigos Fernando Santa Cruz e Eduardo Collier (militantes da Ação Popular Marxista-Leninista, mortos em 1974).
Em três meses de funcionamento, a Comissão Nacional da Verdade tem percorrido diversos estados para audiências públicas e fechadas com as comissões locais (em funcionamento em São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro, Paraná, Alagoas e Pernambuco) e com os comitês da sociedade civil (46 em todo o país).
Além de reuniões com comissões e comitês locais, a Comissão Nacional da Verdade também se encontra com comissões de outros países. Na semana passada, no Palácio do Itamaraty (em Brasília), foi realizado o Seminário Regional Comissões das Verdades nas Américas e a Comissão Nacional da Verdade do Brasil com a participação de representantes da Guatemala, de El Salvador, do Peru, da Argentina e do Paraguai %u2013 todos países que implantaram o chamado direito de transição e colocaram em funcionamento comissões para apurar crimes ocorridos durante períodos autoritários.
Segundo o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Gilson Dipp (vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça), %u201Ctodas as comissões têm pontos comuns com a brasileira%u201D que, apesar de ser tardia em comparação aos demais países (%u201Cuma comissão do século 21%u201D), se beneficia de dispor de maior acervo de informações e experiências acumuladas, como os dados e documentos disponíveis no Arquivo Nacional (Ministério da Justiça) e recolhidos pela Comissão de Mortos e Desaparecidos e pela Comissão de Anistia (criadas no governo Fernando Henrique Cardoso).
%u201COs demais países começaram a investigar do zero, nós temos ampla bibliografia e informações que as comissões estrangeiras não tinham%u201D, comparou Dipp ao falar com a Agência Brasil. %u201COutra vantagem, dita por eles , é que nunca uma lei deu tantos poderes para uma comissão como a nossa%u201D, assinalou.
%u201CMesmo que a Comissão Nacional da Verdade não tenha fins jurisdicionais ou punitivos, os poderes são ilimitados. Temos poderes de investigação, de convocação e de apuração, conforme posto em lei aprovada pelo Congresso Nacional - o que não aconteceu com nenhum dos outros países onde comissões da verdade foram criadas por decreto. Eles acham que a nossa comissão tem tudo para dar certo pela gama de competências e apoio institucional que nós temos%u201D, relatou.
%u201CA Comissão da Verdade do Brasil chega com um acervo que nenhuma outra comissão teve quando foram criadas%u201D, confirmou Paulo Sérgio Pinheiro, comissário das Nações Unidas e também membro da Comissão Nacional da Verdade. %u201CA gente tem uma aparente desvantagem de quem está chegando tarde, mas na verdade tem outras vantagens. Além do mais há a mobilização dos familiares, dos comitês de anistia e dos comitês da verdade que estão sendo criados em todo o Brasil%u201D, ressaltou.
Para o chanceler Antonio Patriota, anfitrião da reunião, o Brasil e os demais países da região hoje têm a possibilidade de %u201Capuração, em profundidade%u201D, das violações aos direitos humanos ocorridas no passado. Isso decorre %u201Cdos avanços registrados%u201D que permitem %u201Crecuperar a verdade para gerações futuras%u201D e %u201Cevitar a repetição de fatos que mancharam nossas histórias nacionais%u201D, afirmou em discurso.
Em dezembro de 2010, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), como responsável pela violação de direitos fundamentais de 62 pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia (1972-1975). À época, o Itamaraty soltou nota lembrando que o Brasil já havia reconhecido as mortes e a responsabilidade pelas perseguições ocorridas no período da ditadura. A condenação da OEA deu estímulo para que o governo (do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) propusesse a lei que cria a Comissão Nacional da Verdade.