O patrimônio da quadrilha do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, está sendo vendido às pressas e pela metade do preço nas regiões administrativas do Distrito Federal e cidades do Entorno. Temendo uma possível ação da Justiça, o grupo criminoso articulou uma rede de vários corretores para “fazer dinheiro” o mais rápido possível e se livrar dos bens adquiridos com as atividades ilícitas. Durante a semana, o Estado de Minas visitou, acompanhado de alguns corretores, terrenos da organização criminosa em Santa Maria e em Valparaíso (GO). A constatação é que a operação do grupo para “queimar” todas as propriedades compradas com dinheiro sujo está a pleno vapor. “Tá mais barato (os imóveis) porque o cara tá precisando de dinheiro. Acabaram com a fonte de lucro dele”, resume um dos vendedores.
Os terrenos, de tamanhos variados, são comercializados por José Olímpio de Queiroga Neto, um dos presos pela Operação Monte Carlo e apontado pela investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal como um dos principais braços de Cachoeira no DF e responsável por gerenciar as casas de jogo. Ele ganhou a liberdade, por força de habeas corpus, em 14 de junho.
Em Santa Maria, os corretores oferecem dois imóveis “a preço de banana”. Um deles às margens da BR-040, no sentido Luziânia (GO), ao lado de um grande supermercado. No local, com 1,5 mil metros quadrados de área construída, há um galpão, que serve como depósito. Animados com a possibilidade de receber a comissão de até 5%, os vendedores afirmam que o grupo entrega a área por R$ 1,5 milhão. “O preço de mercado é R$ 2,5 milhões. Tem um lá que estava vendendo por R$ 3 milhões”, avisam.
LARANJAS NA FAMÍLIA O terreno está no nome da MZ Construtora LTDA. De acordo com documentos sigilosos do Núcleo de Inteligência da PF obtidos pelo Estado de Minas, a empreiteira em questão é apontada pela investigação da PF e MPF como um canal “para movimentar ou fazer trânsito do dinheiro arrecadado com os jogos de azar no interesse e na manutenção da estrutura criminosa organizada”. A empreiteira em questão está nos nomes de Diego Wanilton da Silva Queiroga e Fernanda da Silva Queiroga, filhos de José Olímpio de Queiroga Neto. A reportagem tentou contato com Diego e Fernanda, mas não obteve retorno.
Perto da área em Santa Maria o grupo criminoso oferece outro imóvel, de 1,5 mil metros quadrados, murado e com área construída, pela “pechincha” de R$ 1,5 milhão. “O preço certo, pelo tamanho e localização, é R$ 2,3 milhões”, afirma o corretor. A área está no nome da empresa Calltech Combustíveis, cujo sócio majoritário, com 99% das cotas, é também o filho de José Olímpio.
O Estado de Minas identificou pelo menos oito corretores incumbidos de comercializar os imóveis da quadrilha. Alguns não têm cerimônia ao falar das intenções do grupo. “Os terrenos são do cara que era o braço do Cachoeira em Brasília. É do cara que cuidava das coisas dele aqui no Entorno. É um empregado dele (Cachoeira). O Olímpio comprou os terrenos para ele. Não está nem no nome do Olímpio. Está no nome de outras pessoas.”
O mesmo vendedor revela os planos de Queiroga: “Ele está precisando fazer dinheiro. A conversa que nos chegou é que ele quer ir embora para os Estados Unidos. Para fazer dinheiro, está vendendo tudo”. Quando questionado se não há problemas em adquirir um imóvel do grupo criminoso, o corretor responde: “Só vai pagar com escritura na mão, chefe. Não aparece nada (o nome dos integrantes da quadrilha). Isso é testa de ferro. Se tu tá fazendo negócio errado, tu tem que chamar um cara para não colocar no teu nome. Se colocar no teu nome, a Justiça pega tudo”.
O homem forte do bicheiro
Na hierarquia da organização criminosa chefiada por Carlinhos Cachoeira, José Olímpio de Queiroga Neto era um dos homens que gozavam de maior prestígio junto ao contraventor. Membro forte do grupo, o bicheiro confiou a ele todo o gerenciamento das casas de jogos de azar, instaladas principalmente nas cidades do Entorno de Brasília. Além de organizar a operacionalização do esquema, era responsável por cuidar dos investimentos do patrão. Na região administrativa de Santa Maria, cidade-satélite de Brasília, é conhecido por possuir terrenos “até onde a vista alcança”.
Gravações da Polícia Federal autorizadas pela Justiça revelaram que Queiroga foi o primeiro do grupo a alertar Cachoeira sobre o desencadeamento da Operação Monte Carlo. Vinte e um dias depois do aviso, os integrantes da quadrilha foram presos. Ele acreditava que o sistema de rádio Nextel, usado pelos membros do grupo, não poderia ser grampeado pelos agentes da Polícia Federal.
Em 13 de junho, o juiz Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, determinou a liberdade de Queiroga. Na ocasião, os advogados argumentaram que a soltura não representaria a continuidade da prática criminosa. O irmão, Raimundo Washington de Souza Queiroga, também preso durante a operação da Polícia Federal, havia sido solto dois meses antes.
O gerente de Cachoeira está em liberdade. No entanto, é obrigado a comparecer mensalmente à 11ª Vara da Seção Judiciária de Goiás, não pode deixar o Distrito Federal ou o país sem autorização da Justiça e também é proibido de manter qualquer contato com os outros denunciados no processo. Ao receber o habeas corpus, o braço direito de Cachoeira teve o passaporte confiscado.
DRIBLE NA JUSTIÇA De acordo com a Polícia Federal, Queiroga é responsável por várias empresas laranjas do grupo de Cachoeira. Para driblar a Justiça, os empreendimentos são registrados em nomes de parentes. No nome do filho, Diego Wanilton da Silva Queiroga, há seis empresas: MZ Construtora LTDA., Calltech Combustíveis e Serviços, Lince Máquinas e Equipamentos, Riacho Conveniências e Comércio, Emprodata Administração de Imóveis e Informática e, por último, Instalações e Reformas Alvorada.
O Estado de Minas tentou diversas vezes entrar em contato com o advogado Leonardo Gagno, responsável pela defesa de Queiroga e do irmão Raimundo Washington de Souza Queiroga. O defensor não atendeu às ligações nem retornou os recados deixados na caixa-postal do celular.
Em 30 de maio, Queiroga compareceu à comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investiga as relações de Cachoeira e integrantes da organização criminosa com políticos e agentes públicos. Ao ser questionado pelo presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), preferiu ficar em silêncio e foi dispensado. No mesmo dia, compareceram – e também ficaram calados – os integrantes da quadrilha Lenine Araújo de Souza e Gleyb Ferreira da Cruz.
PATRIMÔNIO Cruzamento de dados da Receita Federal, realizado pelos integrantes da CPI do Cachoeira, apontam que a organização criminosa chefiada pelo contraventor acumulou, ao longo dos anos, patrimônio estimado em mais de R$ 100 milhões. O valor, no entanto, é bem maior. A grande dificuldade da Justiça é rastrear todos os laranjas usados pela organização criminosa. Grande parte dos bens de Cachoeira estão em nome da ex-mulher Andrea Aprígio de Souza e do ex-cunhado Adriano Aprígio. (JV)
CONVERSA DE CORRETOR COM SUPOSTO COMPRADOR
Interlocutor – Os terrenos estão no nome do pessoal do Cachoeira?
Corretor – Não. Tudo é laranja.
Interlocutor – O pessoal dele tem quantos terrenos para vender?
Corretor – Ele (laranja) me ligou dizendo que, agora, neste momento, tem uns três terrenos lá. Tem um corretor dele aí que cuida de todos os imóveis. Mas ele passou para a gente. Deu exclusividade.
Interlocutor – Por ser um terreno que deve ter algum problema seria mais barato?
Corretor – Não é que o terreno tenha problema. Tá mais barato porque o cara tá precisando de dinheiro. Acabaram com a fonte de lucro dele e ele ficou sem dinheiro. Ele era um dos braços do Cachoeira. É o Olímpio (José Olímpio Queiroga).
Corretor 2 – Ele (Cachoeira) tem vários laranjas, né? Em cada cidade, o cara tem um (laranja). O terreno, em termos de documentação, tá desenrolado. Tem um grande lá que já vendeu com projeto para 120 apartamentos. Já cavou o buraco.
Interlocutor – Mas ele tá vendendo por quanto mais barato?
Corretor – Tem um lá que tava vendendo por R$ 3 milhões. Ele, hoje, entrega por R$ 1,5 milhão.
Interlocutor – Pela metade do preço?
Corretor – É. Para 120 apartamentos, já com projeto aprovado, com alvará de construção.
Memória - Ação contra a jogatina
A Operação Monte Carlo, desencadeada pela Polícia Federal em 29 de fevereiro, prendeu 28 integrantes da quadrilha do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, em Brasília e Goiânia. A ação, preparada para desarticular a organização criminosa que explorava jogos de azar com o apoio de policiais e políticos, originou a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) no Congresso Nacional. O aprofundamento das investigações levou o ex-senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) a ser cassado em plenário em 11 de julho por quebra de decoro parlamentar. Interceptações telefônicas feitas com autorização da Justiça flagraram o ex-parlamentar colocando o mandato a serviço do crime organizado. Em diálogos com Cachoeira, o político goiano chegou a alertá-lo sobre possíveis operações da PF em cidades do Entorno de Brasília. Na CPI, as investigações apontaram para a participação da empreiteira Delta em relações criminosas com o bicheiro. Cachoeira, segundo os trabalhos investigativos, seria sócio oculto da empreiteira.