Ao entrar no próximo capítulo da denúncia do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a escrever parte da história do PT. Está em jogo o destino de três petistas graduados, considerados responsáveis pela vitória eleitoral do partido em 2002, depois de sucessivas derrotas na disputa pelo Palácio do Planalto. Os ministros vão examinar denúncia de que o ex-todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-presidente nacional da legenda José Genoino pagaram propina a nove dirigentes partidários em troca de apoio para o governo no Congresso Nacional.
O julgamento ocorre justamente em meio à repercussão de declarações de Marcos Valério, publicadas pela Veja no fim de semana. Segundo a revista, o empresário teria dito a parentes e amigos que Lula foi poupado por ele, Delúbio e José Dirceu. Além disso, o esquema seria muito mais amplo e envolveria a cifra de R$ 350 milhões. Com essas declarações, Marcos Valério volta a colocar Dirceu no olho do furacão e a ressaltar que ele conhecia o esquema de desvio de recursos e pagamento de propinas. Formalmente essas declarações não serão levadas em consideração no julgamento porque não estão nos autos. Mas os depoimentos de Marcos Valério e do presidente do PTB, Roberto Jefferson, são justamente dois elementos de prova contra Dirceu apontados pela Procuradoria Geral da República.
INELEGIBILIDADE Muito mais do que o risco de irem para a cadeia, Dirceu, Delúbio e Genoino têm o destino e as aspirações políticas nas mãos dos ministros do STF. Se condenados, eles se tornarão inelegíveis até oito anos depois do cumprimento da pena. Eles só passarão uma temporada na penitenciária em regime fechado se os ministros forem muito rigorosos e, além de condená-los, aplicarem uma pena muito acima do mínimo previsto no Código Penal. Se o veredicto for de até quatro anos, os três poderão reverter a pena por serviços comunitários. Diferentemente de outros réus, os três petistas não respondem por lavagem de dinheiro, crime com pena mínima alta (3 anos), e têm grandes chances de se livrarem da acusação de formação de quadrilha, último item a ser julgado, pela prescrição. A meta, no entanto, é a absolvição. Muitos petistas, inclusive o próprio Dirceu, estão pessimistas, de acordo com integrantes do partido. Acreditam que o voto implacável de Joaquim Barbosa conduzirá a maioria dos ministros pela condenação.
EMISSÁRIO Um dos mais envolvidos na distribuição de recursos, Delúbio é o que está em situação mais difícil. Na condição de tesoureiro do PT, ele participou diretamente de atos que o STF já considerou ilícitos. Todos os réus beneficiados com dinheiro do PT indicam Delúbio como o emissário. Na primeira rodada de votações, os ministros concluíram que esse caixa era abastecido com recursos públicos, da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil.
No caso de Genoino e Delúbio, há evidências e documentos que os ligam diretamente a atos já condenados pelo STF. Com Dirceu, a coisa é diferente. O próprio procurador-geral da República, Roberto Gurgel, já declarou que não existem provas diretas contra o ex-ministro-chefe da Casa Civil. “Não vamos aceitar um julgamento político. Não há provas contra José Dirceu e o partido não ficará calado, se houver injustiças”, afirma o deputado distrital Chico Vigilante (PT), um dos petistas mais próximos de Dirceu no DF.
Para condená-lo, o STF terá de se valer de teses jurídicas que poderão servir de base para julgamentos em outras instâncias. Gurgel sustenta a teoria do “Domínio do Fato”, segundo a qual Dirceu praticou todos os atos em quatro paredes, no Palácio do Planalto, e não deixou rastros porque era poderoso.