O veto da presidente Dilma Rousseff (PT) à emenda que elevaria em R$ 300 milhões anuais a arrecadação dos municípios mineiros e do estado recebeu duras críticas de parlamentares mineiros e prefeitos de cidades mineradoras. A revisão nos padrões atuais, considerados inaceitáveis pelas lideranças do estado, permanecerá na fila de espera, aguardando o envio de um marco regulatório para o setor, e a posição do Planalto passou a ser apontada como resultado de um lobby das empresas mineradoras. “Eles (o governo) prometeram que essa mudança viria em 2008, depois em 2009, mas nós estamos em 2012 e até agora nada. O resultado são prejuízos que se acumulam todos os meses para os municípios e estados mineradores”, cobrou o senador Aécio Neves (PSDB-MG).
O senador enfatizou que as discussões começaram quando ele estava no Palácio da Liberdade e até hoje não tiveram sucesso. “Ainda como governador, tive vários encontros no ministério da Minas e Energia para discutir a importância dessas mudanças, mas as propostas ficam somente no papel e o governo cede à pressão das mineradoras. Nesses quatro anos de espera as perdas chegam a R$ 1,5 bilhão para o nosso estado”, estimou.
No Congresso, as discussões envolvendo mudanças na legislação para a atividade continuam mobilizando parlamentares mineiros e paraenses, os dois principais estados mineradores do país, que aumentaram o tom na cobrança pelo envio de um marco regulatório ainda este ano. Para o deputado federal Marcus Pestana (PSDB-MG), que contestou o veto em discurso no plenário, faltou sensibilidade para o governo federal no tratamento desse tema. “Fui membro da comissão que analisou a MP563 e ajudamos na elaboração dessa emenda. No início houve resistência, mas o líder do governo, senador Eduardo Braga (PMDB-AM), acolheu a emenda e ela foi aprovada por unanimidade”, lembrou Pestana.
O dispositivo vetado, incluído pelo senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) na MP 563, estabelecia que os cálculos da Cfem devida fossem feitos com base nas cotações internacionais dos minérios e não nos valores de venda declarados pelas empresas. Isso porque, segundo explicou o parlamentar ao apresentar a emenda, muitas empresas exportam para subsidiárias por valores abaixo do real e, fora do Brasil, refaturam para o consumidor final pelo preço de mercado da commodity. As estimativas são de que o subfaturamento gire em torno de 40% do valor dos produtos, um dos pontos mais criticados pelos prefeitos. Hoje, as alíquotas do tributo pago pelas empresas mineradoras variam de 0,2% a 3% do faturamento líquido, de acordo com o produto explorado. Do total arrecadado em royalties, 63% vão para os municípios, 23% para o estado e 12% para a União.
Cobrança
Nessa quinta-feira, a Associação Mineira dos Municípios (AMM) reforçou a posição contrária ao veto, apontando que a mudança favoreceria o desenvolvimento econômico da cidade. No dia seguinte à decisão do Planalto, que foi publicada na terça-feira no Diário Oficial da União (DOU), o órgão divulgou nota lamentando a escolha da Presidência da República. “Com o veto à proposta de novo cálculo da Cfem, a situação dos municípios pertencentes aos estados mineradores retornou ao ponto inicial. A AMM declara que desaprova o veto”, diz o texto.
Para alguns prefeitos de municípios mineradores, Dilma deveria levar em conta as dificuldades enfrentadas pelos moradores que convivem com estradas degradadas pelos caminhões carregados de minério e prejuízos na área ambiental. “Há muitos anos nós trabalhamos para melhorar a alíquota dos royalties da mineração. A revisão do cálculo também nos ajudaria, já que a cidade sofre com impacto ambiental e precisamos nos preparar para receber outras atividades econômicas”, argumentou o prefeito de Itabira, na Região Central, João Izael Coelho (PR).
Já o prefeito de São Gonçalo do Rio Abaixo, na Região Central, Raimundo Barcelos (PDT), que também está entre os principais municípios mineradores do estado, a expectativa é de que o Congresso volte a discutir o tema e tente novamente emplacar novas regras para o setor. “Espero que os políticos voltem a conversar sobre as cidades mineradoras. Além do impacto físico da extração, é uma atividade não renovável e, para desenvolver outras atividades no decorrer dos anos e não depender apenas da mineração, é preciso revisar as receitas atuais”, cobrou Raimundo.
ENTREVISTA: SENADOR AÉCIO NEVES (PSDB-MG)
‘‘Ou se está a favor de Minas ou das mineradoras”
Relator do projeto de lei que corrige o valor da Cfem, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) apontou a resistência do Palácio do Planalto a priorizar o tema como principal obstáculo para que as mudanças sejam colocadas em prática. O parlamentar lamentou que a proposta em tramitação no Congresso tenha perdido a garantia de que será aplicada, uma vez que o governo federal se mostrou convencido pelo lobby das mineradoras.
O senhor acompanhou de perto em Brasília a movimentação dos prefeitos, bancadas mineiras e do Pará e até dos governadores dos dois estados por mudanças na cobrança dos royalties. Faltou força nessa mobilização?
Faltou vontade política do governo para que essa questão fosse definida. Ela não é nova, estamos indo para o 11º ano do governo do PT e até hoje não foi enviado um novo marco regulatório da mineração, que colocaria a Cfem em um patamar minimamente aceitável. Em todas as medidas que nós buscamos viabilizar para minimizar essas perdas, o governo se coloca contra e promete o marco regulatório. Mas já se passaram 10 anos e só podemos calcular as perdas para os estados mineradores.
Umas das posições apresentada pelo Planalto é que essa mudança por meio da emenda do senador Flexa Ribeiro traria insegurança jurídicao setor. Como o senhor avalia esse argumento?
O que é inacreditável é que para justificar uma decisão equivocada da presidente da República eles usem alguns argumentos. Esse argumento não serviu para impedir que ela sancionasse medidas provisórias que dizem respeito aos impostos federais. A mesma regra valeu para Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), PIS e Cofins, que serão calculados agora sobre o valor de mercado dos produtos exportados. A Cfem não. Essa questão só tem dois lados: ou se está a favor de Minas Gerais ou das mineradoras. Eu fico surpreso que até o Patrus Ananias (candidato do PT à prefeitura de Belo Horizonte) tenha se transformado, talvez até por desconhecimento do assunto, em defensor do interesse das mineradoras. Não é verdade que os prefeitos mineiros pediram o veto. Eles citam a preocupação com a segurança jurídica, mas que poderia ser sanada, uma vez que já não existe em relação aos impostos federais. Patrus fala sobre um acordo com mineradoras que não existe.
O senhor falou que a expectativa é de que o governo acompanhe a proposta em seu projeto substitutivo que também revisa as alíquotas dos royalties do minério e institui uma cobrança extra sobre as grandes jazidas. Mas, com o veto desta semana, qual a garantia de que esse apoio do Planalto virá?
Nenhuma. Vou recolocar o projeto em votação no Senado, em 18 de outubro. Até agora ele não foi votado porque as lideranças do governo impediram. Vamos ter de ter uma força política muito grande. Durante o período eleitoral, esse tema foi colocado como proposta da presidente da República, mas estamos partindo para a segunda metade do governo e até hoje nada. Fico surpreso com a omissão da bancada do governo que não toca nesse assunto. Os argumentos usados para defender o governo, são os mesmos das mineradoras, de aguardar o marco regulatório. Mas a cada mês que passa, temos perdas expressivas para nossos municípios e regiões mineradoras.
Sobre a discussão do novo marco regulatório, o senhor acha que a criação de uma agência nacional reguladora da mineração seria uma boa opção para o setor?
Acho que contribuiria, mas não seria a solução. A situação que temos hoje, e as mineradoras precisam compreender isso, e há algumas semanas estive com o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (José Fernando Coura) para discutir isso. É necessário fazer uma mudança dentro de um grande entendimento. No ano passado, o Rio de Janeiro recebeu de royalties de petróleo cerca de R$ 7 bilhões, enquanto nós recebemos R$ 300 milhões pela Cfem, e a degradação pela mineração é muito maior do que da extração de petróleo. Lamentavelmente, essa questão está parecendo uma guerra da oposição contra o governo, mas é uma questão de Minas.