Jornal Estado de Minas

Câmara paga gasolina até para parente de vereador

Para ter direito ao tanque cheio, basta ao parlamentar cadastrar o carro do pai ou da esposa. Pior: muitos desses veículos estão sendo usados para pedir voto

Alice Maciel Alessandra Mello

O Estado de Minas flagrou vários carros habilitados pela Câmara com propaganda eleitoral. Sem qualquer controle, se o vereador quiser pode abastecer, circular pelos bairros pedindo voto e depois cobrar o ressarcimento do gasto ao Legislativo - Foto: Jackson Romanelli/EM/D.A.Press 

Carros de esposa, filho, pai e até primo de vereadores de Belo Horizonte estão na lista – registrada na Câmara pelos parlamentares – dos veículos que podem ser abastecidos com dinheiro de verba indenizatória. E a farra não para por aí. Em tempos de campanha, o Estado de Minas flagrou pelo menos nove desses veículos plotados com propaganda eleitoral. Alguns deles rodam com alto-falante para divulgar a campanha dos vereadores que disputam a reeleição. Para receber o dinheiro gasto com o combustível, que pode chegar a R$ 3 mil mensais, basta ao parlamentar apresentar a nota fiscal da despesa com a placa cadastrada na direção da Casa. Alguns carros habilitados a receber a gasolina pertencem também a cabos eleitorais.

Os parlamentares podem cadastrar o número de veículos que desejarem, não há fiscalização no Legislativo para saber quem é o proprietário do carro e nem como ele está sendo usado. Se o veículo estiver relacionado, basta ao motorista passar no posto, encher o tanque, pagar e depois pedir o ressarcimento. Se o carro vai ser usado para algum serviço parlamentar, para passeio ou para participar de uma carreata, o contribuinte não tem como saber porque não há controle e nem transparência. Na prestação de contas dos gastos com verba indenizatória, disponível no portal da Câmara, são publicados apenas o número da nota fiscal e o CNPJ do posto, sem o número da placa do veículo. Na teoria, podem ser ressarcidas apenas as despesas com gasolina e manutenção de veículos de passeio que prestem serviço para o gabinete.

A reportagem do Estado de Minas teve acesso às placas dos veículos que podem rodar com gasolina paga com dinheiro público. Ao todo, o Legislativo municipal está bancando o combustível de 204 veículos cadastrados pelos 41 vereadores. Desses, 41 estão registrados em nome de pessoas que não são funcionárias da Câmara, sendo que alguns deles são de parentes dos parlamentares. Os carros das mulheres dos vereadores Sérgio Fernando (PV), Cabo Júlio (PMDB) e Paulinho Motorista (PSL), por exemplo, estão na lista dos que podem rodar com gasolina bancada com dinheiro do contribuinte. Já os vereadores Ronaldo Gontijo (PPS) e Toninho da Vila Pinho (PTdoB) incluíram as placas dos carros dos filhos para receber o benefício. Pricila Teixeira (PTB) cadastrou três veículos que estão em nome do pai, o ex-vereador Ovídio Teixeira. O vereador Bruno Miranda (PDT), além de empregar o primo e o marido da cunhada, também cadastrou os carros deles para abastecer por conta da Câmara.

Na rua Cabo eleitoral do vereador João Oscar, Kelmer de Castro também tem o seu carro habilitado a rodar pela cidade com gasolina paga pelos cofres públicos, mas não está lotado no gabinete do político. Apesar de seu nome não constar na lista de servidores do Legislativo, disponível no Portal da Transparência do site oficial da Câmara, ele vai com frequência à Casa. “Você encontra ele (sic) na parte da manhã ou da tarde”, informou uma funcionária do escritório sem saber que estava falando com uma repórter. Em seu perfil no Facebook, Kelmer, que colocou uma foto ao lado do parlamentar, escreveu que atua “na área de política em BH”.

Além de fazer propaganda para João Oscar, Kelmer também pede votos para o parlamentar na rede social e é identificado como uma “liderança em Venda Nova” , uma das maiores zonas eleitorais da capital mineira. O vereador Reinaldo Preto Sacolão também colocou um cabo eleitoral em sua lista de habilitados a serem ressarcidos pela Câmara. Evaristo Pereira de Souza é conselheiro municipal de Assistência Social da Regional Nordeste e líder comunitário. Ao ser questionada sobre o horário em que Evaristo pode ser encontrado no gabinete do vereador, uma funcionária respondeu : “Depende, ele faz muito serviço na rua”.

Na lista de placas do vereador Moamed Rachid (PDT), chama a atenção o fato de Antônio de Souza Vítor estar entre os beneficiados. Ele é pastor evangélico assim como Moamed. Em setembro do ano passado, Antônio recebeu diploma de honra ao mérito na Câmara Municipal por indicação de Moamed. Em seu perfil no Facebook, Antônio Vítor diz que trabalha na Câmara, no entanto ele não está na lista de funcionários contratados. “É muito difícil falar com ele”, informou uma funcionária do gabinete de Moamed. O carro de Raimundo José Ferreira também foi cadastrado pelo pedetista. Assim como o pastor Antônio Vítor, ele não está na lista de servidores do Legislativo. Segundo informações passadas pelo gabinete do parlamentar, é muito difícil encontrá-lo. “Está todo mundo em trabalho externo por causa da campanha”, afirmou um funcionário que não se identificou.

Helbert de Paula foi exonerado do gabinete do vereador Edinho do Açougue (PTdoB) em agosto, segundo publicado no Diário Oficial do Município. Apesar de não ser mais funcionário, ele ainda pode pagar gasolina de seu carro com dinheiro público. Helbert está trabalhando na campanha do parlamentar, segundo contou a funcionária: “Ele não fica aqui todos os dias. Está ficando mais na rua por causa da campanha”.

Declaração

Para cadastrar um carro como veículo a serviço do mandato parlamentar, o vereador é obrigado a fazer uma declaração à Câmara com os seguintes termos: “Em atendimento ao disposto nos artigos 29 e 31 da Deliberação nº 03/29 da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Belo Horizonte, e objetivando a indenização de despesas com combustível e manutenção, declaro que os veículos de passeio abaixo relacionados são usados no exercício do meu mandato”.

Você se lembra?

Denúncia de improbidade

Os 41 vereadores de Belo Horizonte foram denunciados no ano passado pelo Ministério Público de Minas Gerais por improbidade administrativa e enriquecimento ilícito no uso irregular da verba indenizatória, de R$ 15 mil mensais. No início do mês, o Estado de Minas também denunciou o gasto de combustível durante o recesso parlamentar de julho e o consumo elevado nos sete primeiros meses do ano. Em julho, os vereadores gastaram R$ 79,7 mil com gasolina. Já nos sete primeiros meses do ano foram consumidos R$ 500 mil com o pagamento de combustível para os carros dos vereadores, valor suficiente para percorrer cerca de 190 mil quilômetros.