Brasília – Passados 20 anos da abertura do processo de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 29 de setembro de 1992, documentos da extinta Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) revelam bastidores da articulação política que expurgou do Palácio do Planalto a maior autoridade do país. No ano que antecedeu o impeachment, a área de inteligência da SAE fez uma vigilância constante da movimentação da oposição e de entidades de classe.
A SAE monitorou partidos e entidades da sociedade civil antes e depois do processo de deposição. A primeira fase se concentrou nos movimentos da Igreja, de partidos de oposição e entidades sindicais. O segundo tinha como alvo a atuação do sucessor de Collor, o vice-presidente Itamar Franco, e de outros políticos influentes, como Antônio Carlos Magalhães, na época governador da Bahia. Havia uma preocupação com o discurso de Itamar, especialmente quando tratava de economia e das relações do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O serviço de inteligência do governo começou a dar mais importância à situação do presidente Collor em setembro de 1991. Naquele ano, houve uma reunião do PT com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), quando ficou decidido que haveria o pedido de impeachment, baseado nas dificuldades sociais e econômicas do país no início da década. Além disso, segundo relatórios da SAE, "a tomada de tal decisão teve início com a orquestração que os meios de comunicação impuseram à população, denegrindo a imagem do presidente e de seus familiares". Um mês depois, o PT se mostrava em dúvida sobre o impeachment, mas acabou trabalhando fortemente pelo processo.
O serviço secreto monitorou também o Congresso, onde o afastamento de Collor já vinha sendo tratado por lideranças políticas de oposição. Os agentes da SAE registraram nos relatórios de análise de conjuntura de setembro de 1991 que deputados do PCdoB, PCB e PT articulavam a saída do presidente e pretendiam fazer uma campanha nacional para desmoralizá-lo, já que o termo impeachment não seria bem entendido pelo povo. "Mas uma campanha mostrando as mazelas do governo seria bem aceita pela população", observaram os agentes.
Capítulo Passadas duas décadas, especialistas veem na deposição do primeiro presidente eleito depois da queda do regime militar um capítulo indispensável à consolidação da democracia brasileira. A determinação do PT a retirar Collor do Planalto, revelada pelos documentos da SAE, sintetiza a falta de habilidade política do então presidente (hoje senador) em lidar com o Parlamento, como ele mesmo já admitiu, recentemente, na tribuna do Senado.
"De fato, o impeachment alterou uma percepção: a de que é possível governar sem maioria no Congresso. Esse ensinamento foi levado à risca por Fernando Henrique Cardoso, Itamar Franco e Dilma Rousseff. Nenhum deles ousou descuidar de ter maioria", explica o cientista política e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa — Insper — Carlos Melo. O cientista político João Paulo Peixoto acredita, porém, que o país ainda não conseguiu desenvolver instrumentos eficientes para coibir a corrupção nas três esferas de poder. "Obviamente, o processo de queda de Collor demonstrou maturidade das instituições, mas, embora tenha havido tentativas de alterações na legislação para reduzir desvios de recursos públicos, isso não aconteceu. O que diminui corrupção não é a lei, mas a certeza de punição dos corruptores", apontou o especialista.
Memória
Como foi o processo
Depois que uma CPI concluiu que o então presidente Fernando Collor sabia das irregularidades praticadas pelo seu ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias, a Câmara aprovou a abertura do processo de impeachment por 441 votos a 38. Acusado de crime de responsabilidade, Collor foi afastado do governo, como determina a Constituição. Três dias depois, o vice-presidente, Itamar Franco, assumiu o Palácio do Planalto interinamente. Em dezembro, Collor renunciou minutos antes de ser expulso definitivamente do comando do país. Mesmo assim, o impeachment foi votado e aprovado pelo Congresso e o ex-presidente teve seus direitos políticos suspensos por oito anos. Em 1994, Collor e PC Farias foram julgados pelo Supremo pelo crime de corrupção. O processo foi arquivado por
falta de provas.