Um dia depois do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinar a retificação do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 em São Paulo, e reconhecer que a morte ocorreu devido a “lesões e maus-tratos sofridos em dependência do 2º Exército - SP [DOI-Codi - Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna]”; a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) vai oficiar cartórios em diversas partes do país para pedir a retificação dos registros de óbitos de pessoas vítimas da ditadura.
A decisão é “coerente” com o mandato da CEMDP, disse Maria do Rosário, ministra da SDH. Segundo ela, a comissão reconheceu desde 1995 a “responsabilidade do Estado” nas mortes dos perseguidos políticos durante a ditadura militar (1964-1985) - 339 pessoas até o momento. Conforme a Lei 9.140/1995, é atribuição da comissão “proceder ao reconhecimento de pessoas (…) que, por terem participado, ou por terem sido acusadas de participação, em atividades políticas, tenham falecido por causas não naturais, em dependências policiais ou assemelhadas”.
“Consideramos a decisão [da Justiça no caso Herzog] uma vitória no trabalho de elucidação”, disse à Agência Brasil Diva Santana, conselheira da CEMDP. Segundo Amparo Araújo, também conselheira, a determinação judicial “abre portas” e “vai desencadear procedimento padrão para todo o Brasil”. As duas conselheiras lembram que até hoje em alguns atestados de óbito no espaço para descrição da causa morte está escrito “Lei nº 9.140/1995” ou “...” [reticências] em vez de apontar a agressão que levou à morte.
Ainda não se sabe quais termos serão usados nas certidões de óbito. Na opinião do coordenador-geral da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Gilles Gomes, é fundamental que o atestado reconheça que a pessoa foi “morta sob a guarda do Estado”.
A não elucidação e a impunidade de crimes contra os direitos humanos ocorridos durante a ditadura militar levaram o Brasil a ser condenado há cerca de dois anos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), em processo relacionado à violação de garantias fundamentais de 62 pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia (1972-1975).
Após a decisão negativa, o governo brasileiro divulgou nota relatando que o país já havia reconhecido as mortes e a responsabilidade pelas perseguições ocorridas durante a ditadura militar. A condenação da OEA serviu como estímulo para que fosse criada a Comissão Nacional da Verdade.