Com apenas uma vereadora eleita, a Câmara Municipal de Belo Horizonte sai das eleições com o pior padrão de representação de mulheres desde a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, que ampliou as garantias e liberdades individuais. Em 1988 e em 1992, foram três as cadeiras conquistadas por mulheres. Em 1996 e em 2000, elas passaram a seis. Em 2004, a representação feminina atingiu o pico nos últimos 24 anos: sete eleitas. A partir daí, o declínio: em 2008 foram cinco. E embora o número de candidaturas femininas tenha crescido 71,4% entre 2008 e 2012 – de 199 para 341 concorrentes –, o sucesso eleitoral feminino neste pleito despencou para apenas uma eleita.
O insucesso eleitoral das mulheres na política legislativa não se restringe à capital mineira. De formas diferentes ele também se anuncia em Minas e no Brasil, apesar de um vigoroso aumento das candidaturas femininas, por força da mudança na legislação introduzida na minirreforma eleitoral de 2009 (Lei 12.034/2009). Pela nova regra, os partidos e as coligações passaram, necessariamente, a preencher 30% das vagas nas chapas proporcionais com candidatos de um dos sexos. Antes, a lei considerava que partidos e coligações reservariam 30% das vagas para candidatos de um dos gêneros.
O resultado é que entre as eleições de 2008 e 2012 o número de candidaturas femininas para as 5.568 câmaras municipais saltou de 72.476 para 133.864, um crescimento de 84,5%, muito superior àquele verificado entre as candidaturas masculinas, que aumentaram 10,6% no período. Foi a primeira vez, desde o estabelecimento das cotas de gênero em 1997 (Lei 9.504), que as candidaturas femininas superaram o piso legal de 30%. Em Minas Gerais, estado que mais lançou mulheres para as câmaras municipais, as candidaturas proporcionais femininas mais do que dobraram entre os pleitos: em 2008 elas somavam 10.544, e quatro anos depois saltaram para 21.760, um aumento de 106%.
Os números apontam para a retração das proporções de candidatas eleitas ao longo do tempo. Em 2008, 8,9% das concorrentes se elegeram para as câmaras municipais no Brasil; em 2012, apenas 5,7%. Da mesma forma, em Minas, 7,8% das candidatas conquistaram uma cadeira em 2008, contra apenas 4,3% em 2012. Em Belo Horizonte, o desempenho feminino foi o pior no último quarto de século. “É um balde de água fria, um retrocesso”, avalia a cientista política Marlise Matos, professora na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre a Mulher. “Nossa expectativa sempre foi a de que na medida em que aumentassem o número das candidaturas femininas, haveria a expressão desse aumento também na elegibilidade, no sucesso eleitoral”, afirma a cientista política. “Mas o que temos é a contracorrente de nossas expectativas”, avalia.
Capital
No caso específico de Belo Horizonte, Marlise Matos aponta para o reencampamento religioso dos espaços de representação e um voto conservador, que se expressa também no grande volume de candidaturas ao Legislativo de segmentos militares, Polícia Civil e do Exército, acompanhado, contrariamente ao que ocorre com as candidaturas femininas, de sucesso eleitoral. “Apesar da renovação de 54% da Câmara Municipal de Belo Horizonte, que sugere insatisfação do eleitor em relação ao desempenho dos vereadores, foram eleitas pessoas mais conservadoras do que aquelas que conquistaram uma cadeira em 2008”, analisa Marlise.
O insucesso eleitoral das mulheres pode ser atribuído também aos partidos políticos, observa a cientista política. “Isso se expressa com eloquência na eleição de uma só mulher. O tema da representação feminina não tem influenciado a agenda política dos partidos políticos. Por mais que se altere a legislação, por mais que chamemos a atenção para esse abismo democrático, os partidos continuam reproduzindo padrões que tornam invisíveis as candidaturas de mulheres”, sustenta Marlise, em referência ao fato de não haver qualquer apoio material às candidaturas femininas.
Tendência se espalha
O insucesso eleitoral cresceu não só em Belo Horizonte, onde apenas a vereadora Elaine Matozinhos (PDT) se reelegeu, o que significa dizer que 99,7% das candidatas não obtiveram êxito. Enquanto no Brasil foram eleitas 7.647 vereadoras – em média 5,7% daquelas que se candidataram –, 49.697 homens conquistaram cadeiras nos Legislativos municipais – em média 17,4% daqueles que concorreram.
Em Minas Gerais, elegeram-se 941 mulheres, (4,3 % do rol de candidatas) e 7.497 homens (16,7% dos candidatos). Em um terço das 853 câmaras municipais de Minas – 265 Legislativos – nenhuma mulher se elegeu para o mandato 2013–2016. Em 330 casas legislativas municipais, haverá apenas uma mulher em plenário; em 185, duas; em 56, três; e em 12 cidades mineiras quatro mulheres conquistaram representação, entre elas Uberlândia. As cinco cidades onde as mulheres alcançaram a maior representação para as câmaras – cinco cadeiras – foram Silvianópolis, São João do Manhuaçu, Patrocínio, Ilicínea e Cajuru. Exceções à regra, em quatro elas serão maioria em plenários de nove cadeiras. Com 14 cadeiras, a Câmara Municipal de Patrocínio terá um terço de mulheres.
A ausência de mulheres nos Legislativos municipais constituem um calcanhar de aquiles na representação do eleitorado. “Mais mulheres no poder significa pluralidade, diversidade, multiplicidade da democracia. É um problema de legitimidade democrática um parlamento com 99% de homens”, considera a cientista política Marlise Matos. “Por causa do processo de socialização a que estamos fortemente submetidos, até hoje muito conservador, as mulheres trazem para o campo político uma visão de mundo diferente. Elas chegam ao parlamento, no mundo inteiro, trazendo questões do cuidado, que ainda são grande mazela em nossa sociedade”, afirma, em referência à agenda parlamentar da educação, saúde e do saneamento básico em relação à qual as mulheres manifestam maior preocupação e apresentam mais atuação do que os homens.
Além disso, para as próximas eleições, o insucesso eleitoral em 2012 será um problema, registra a pesquisadora: em BH, essas 341 que não se elegeram vão se desiludir da política e aí a engrenagem da sub-representação feminina volta a funcionar: elas não desejarão se candidatar. A caça de “mulheres laranja” para simplesmente compor as chapas proporcionais voltará, com força, à prática eleitoral.