Jornal Estado de Minas

Autoconcessão de privilégios pelos deputados é histórica na Câmara e tem ganhado força

Com a semana de eleições, a Casa só voltará aos trabalhos em novembro

Leandro Kleber

Criticada por não colocar em votação o projeto que extingue os 14º e 15º salários pagos aos parlamentares e por ter oficializado a folga nas sextas-feiras, a atual Legislatura da Câmara dos Deputados é marcada pela aprovação de outras benesses polêmicas em favor de integrantes da Casa. Nessa lista, publicada no Diário Oficial da Câmara desde o começo do ano passado, estão ainda a aprovação da proposta que vincula automaticamente os aumentos salariais dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) às remunerações dos parlamentares, o reajuste da verba de gabinete de R$ 60 mil para R$ 78 mil e a criação de um sistema informatizado que dificulta a fiscalização, por parte do cidadão, dos salários dos parlamentares e servidores no site da Casa.

Levantamento feito pelo Estado de Minas com base em todas as resoluções que alteraram o regimento interno da Casa desde 1995 mostra que é de praxe as gestões assumirem o comando do órgão e editar atos que beneficiam parlamentares e funcionários da Casa. Cargos em comissão e planos de cargos e carreiras foram criados e alterados durante esse período, assim como verbas indenizatórias e de gabinete foram concedidas e reajustadas. Todas essas matérias passam pelo crivo da Mesa Diretora do órgão, responsável pela organização dos trabalhos legislativos e pela administração da instituição.

Em 1999, por exemplo, uma resolução da Câmara relaxou, com base no regimento interno, a prisão em flagrante a que foi submetido o então deputado Remi Abreu Lima por suposto crime de racismo. Ele teria cometido o crime a bordo de um avião durante voo comercial e respondia a processo na 3ª Vara da Seção Judiciária do Pará. O corporativismo também ocorre frequentemente quando os parlamentares são instados a analisar processos que apuram condutas de colegas que esbarram no decoro parlamentar.

Para o cientista político Ricardo Caldas, o Congresso Nacional está ficando cada vez mais fisiológico, clientelista e descolado dos interesses da sociedade civil. “Sempre houve movimentos fisiológicos, mas agora os interesses estão ficando tão mais evidentes que cada vez menos eles têm pudor para defendê-los abertamente. Eles o fazem com menos vergonha, com declarações abertas”, afirma Caldas.

Regras dribladas


Caldas acredita que os deputados estão tomando mais cuidado com algumas práticas voltadas aos seus próprios interesses. “Ontem, quem contratava o filho, hoje pede para o amigo contratar. Quando o esquema é descoberto, uma nova forma é criada. O controle social não é efetivo e os deputados editam normas de acordo com as suas necessidades. No Brasil, a classe política é a única que se autorregulamenta. Nós concedemos a eles uma capacidade de autorregulamentação ilimitada. Nem o Poder Judiciário questiona”, avalia.

Na opinião do professor de ética e filosofia da Universidade Estadual de Campinas Roberto Romano, o Congresso é cada vez mais inútil, sem poder de legislar e de fiscalizar, já que vive da apreciação de medidas provisórias encaminhadas pelo Executivo. Assim, segundo ele, resta aos parlamentares cuidarem da sua própria carreira. “O Legislativo está providenciando a sua perfeita inutilidade como poder e como representação popular. Resta a eles, então, cuidar da sua própria carreira e ascensão social. A ideia de representação republicana e democrática vem sendo corroída há muito tempo”, analisa.

Segundo Romano, o problema também ocorre porque os deputados e senadores não assumem o mandato como representante popular, mas sim como lobistas disfarçados. “Não por acaso você tem mais de 10 projetos regulamentando o lobby no Congresso e não saem da gaveta nunca. Eles querem manter a aparência de representantes do povo, mas ao mesmo tempo fazendo lobby. Por isso temos uma enorme onda de escândalos”, diz. A assessoria da Câmara foi procurada para comentar os benefícios concedidos durante a atual legislatura. No entanto, até o fechamento da reportagem não houve resposta. (Colaborou Karla Correia)

Pacote de benesses


Confira as medidas aprovadas pela atual gestão da Câmara dos Deputados (2011-2012)

» Adiamento da votação da proposta que extingue o 14º e 15º salários pagos aos parlamentares.
» Aprovação da proposta que vincula automaticamente os aumentos salariais dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) às remunerações dos parlamentares.
» Oficialização do projeto que não prevê votações nas sessões de segunda e sexta-feira.
» Criação de um sistema informatizado que dificulta a fiscalização, por parte do cidadão, dos salários dos parlamentares e servidores no site da Casa.
» Aumento da verba de gabinete de R$ 60 mil para R$ 78 mil, usada para pagar os salários de até 25 funcionários que cada parlamentar tem direito a contratar.
» Reajuste no valor das diárias concedidas a deputados e servidores em missão oficial no Brasil e no exterior.
» Concessão de cota adicional aos líderes de partidos nanicos que têm apenas um deputado federal, no valor de R$ 1,2 mil, para ser usado com material de escritório, refeição e consultorias.
» Disponibilização de dois veículos Ford Fusion para ocupantes do cargo de comando da Procuradoria Especial da Mulher e da presidência do Conselho de Ética

Trabalho, só em novembro

Deputados e senadores não vão precisar pisar no Congresso durante a semana. Em razão da disputa do segundo turno das eleições municipais, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal decidiram cancelar as sessões deliberativas para que os políticos possam se dedicar às campanhas eleitorais.

A Mesa do Senado informou que resolveu cancelar as votações após várias solicitações dos senadores que desejavam acompanhar seus candidatos na reta final. As sessões podem, inclusive, ser retomadas somente após o feriado de 2 de novembro. A CPI do Cachoeira, suspensa pela segunda vez desde 16 de outubro, só voltará a funcionar no dia 31. De acordo com o cronograma, haverá uma reunião administrativa para decidir por quanto tempo os trabalhos da comissão serão prorrogados.

A indicação do ministro Teori Zavascki para o Supremo Tribunal Federal (STF) ainda está sem data fechada para votação. Mesmo com a intenção do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de decidir a pendência na semana depois das eleições, existe a expectativa de ausência de quórum em virtude do feriado após o segundo turno. Para que tenha o nome aprovado, Zavascki precisa do voto da maioria absoluta dos senadores.

Na Câmara, as votações em plenário recomeçam na semana seguinte à eleição. No entanto, grande parte das comissões só volta a se reunir uma semana depois. Um dos exemplos é a Comissão de Finanças e Tributação (CFT), que ainda não conseguiu aprovar o projeto que acaba com os salários extras por falta de quórum nas reuniões.