O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu ontem que, durante dois anos e meio, no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, uma quadrilha se instalou no Palácio do Planalto, coração do governo. O grupo agiu sob o comando do então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, e tinha como integrantes o presidente do PT à época, José Genoino, o hoje ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, o empresário Marcos Valério e outros seis integrantes do esquema.
A maioria dos ministros entendeu que os réus dos núcleos político, operacional e financeiro se uniram em um grupo voltado para cometer crimes. “Restou incontroverso que os três núcleos se uniram para a consecução de um projeto delinquencial”, afirmou o ministro Luiz Fux. Para o decano Celso de Mello, os integrantes do grupo agiram “nos subterrâneos do poder e à sombra do Estado”, com o objetivo de “vulnerar, transgredir e lesionar a paz pública”.
Celso e Fux contestaram o voto da ministra Rosa Weber, a primeira a se pronunciar na sessão de ontem. Ela absolveu todos os réus e observou que não houve quadrilha, mas uma coautoria para a prática de crimes. Na avaliação de Rosa, os réus não abalaram a paz da sociedade nem causaram perturbação. “Quadrilha causa perigo por si mesma, o que nada tem a ver com o concurso de agentes.”
A ministra Cármen Lúcia seguiu esse entendimento. Para embasar a tese de que as quadrilhas, mesmo sem cometer crimes, ameaçam a sociedade, ela citou o famoso cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva: “Só a chegada de um bando, como o de Lampião, é suficiente para trazer desassossego”, comparou. “Não me parece que, nesse caso (do mensalão), tenha havido a constituição de uma associação com a finalidade de durar e com a específica finalidade de praticar crimes”, acrescentou.
Rosa, Cármen e Dias Toffoli seguiram o revisor, Ricardo Lewandowski. O restante dos magistrados acompanhou o relator, Joaquim Barbosa, que ontem voltou a defender sua tese. “A prática do crime de formação de quadrilha por pessoas que usam terno e gravata traz um desassossego que é ainda maior do que a prática dos chamados crimes de sangue”, frisou o relator.
“Engrenagem ilícita”
Para o ministro Gilmar Mendes, a atuação da quadrilha do mensalão quebrou “o sentimento geral de tranquilidade” e, por isso, entra na caracterização de perturbação da paz pública, como descrito no Código Penal. “Sem dúvida, entrelaçaram-se interesses. Foi inegável a contribuição de cada um que visou lograr o interesse de todos (…). Houve a formação de uma engrenagem ilícita que atendeu a todos e a cada um”, justificou Gilmar.
Ao fim da análise, por seis votos a quatro, 10 réus foram condenados por formação de quadrilha. Esse resultado abre brechas para que os advogados peçam a anulação do julgamento sobre formação de quadrilha. O regimento do Supremo prevê a apresentação de recursos chamados embargos infringentes quando há pelo menos quatro votos em prol da absolvição. O instrumento, porém, nunca foi usado na Corte.
Somente duas acusadas foram inocentadas da acusação de formação de quadrilha: Geiza Dias, do núcleo publicitário, e Ayanna Tenório, do financeiro. Houve empate em relação a Vinícius Samarane, também do núcleo financeiro, uma vez que Marco Aurélio o absolveu por falta de provas. Os ministros iniciam hoje o cálculo das penas. A previsão é de que o julgamento termine na quinta-feira. Após a dosimetria, o último debate em plenário será sobre a perda do mandato dos três deputados federais condenados no processo. Em 39 sessões, 25 réus foram condenados e nove absolvidos. Um dos casos foi enviado para a primeira instância. (Colaborou Ana Maria Campos)