Integrantes da Comissão Nacional da Verdade se reuniram nessa terça-feira com o governador Antonio Anastasia (PSDB) para discutir o andamento de parcerias na preservação de acervos no estado e apresentar novas demandas colhidas pelo grupo durante audiência pública e encontros com representantes da sociedade civil. Entre os pedidos levados pela comissão à Cidade Administrativa está a criação de dois novos memoriais da ditadura, que seriam instalados em antigos centros de tortura – no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), na Avenida Afonso Pena, Bairro Funcionários; e na Delegacia de Furtos e Roubos, na Rua Uberaba, no Barro Preto. Também foi pedido ao governador apoio para a criação de uma comissão na assembleia para tratar exclusivamente dos crimes cometidos no estado durante o regime militar.
“Um dos objetivos desse grupo é conseguir multiplicar os trabalhos e comissões locais de investigação em cada estado para que possamos levantar o máximo de informações possível. Hoje, pedimos ao governador que nos dê as chaves das gavetas para descobrirmos o que for necessário sobre tudo o que se passou de fato em Minas”, pediu o ex-ministro da Justiça e integrante da comissão, José Carlos Dias. O ex-ministro aproveitou o encontro com Anastasia para agradecer a rapidez do governo de Minas para garantir um cuidado melhor com o acervo do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Conedh), onde em junho o Estado de Minas descobriu relatos inéditos de presos mineiros que foram torturados no estado, entre eles a presidente Dilma Rousseff (PT).
O governador garantiu aos membros da comissão total empenho para preservar os acervos e prometeu analisar as possibilidades de transformar antigos centros de tortura em memoriais. “Recebi a solicitação do ministro Gilson Dipp (integrante da comissão e vice-presidente do STJ) para que aqueles arquivos, antes mal acomodados, tivessem um tratamento especial, e assim fizemos imediatamente, transferindo-os para o arquivo público. O material já está sendo catalogado e será digitalizado em breve. Vejo como muito adequadas as ponderações desse grupo sobre a importância de criar novos memoriais e verei com a Polícia Civil, que, claro, precisará de outro imóvel para manter o que está em funcionamento, essa possibilidade”, disse Anastaisia.
Nova frente
Durante o almoço com os integrantes da comissão, o governador reforçou a intenção de trabalhar pela aprovação do projeto que cria uma comissão da verdade para o estado e falou também sobre a ideia de transformar a antiga Delegacia de Furtos e Roubos em um espaço cultural, sendo pensada a reserva de um marco no local para homenagear as vítimas mineiras da ditadura. “A chave do estado já está entregue à comissão, para pesquisar tudo nas profundidades necessárias e defender a verdade, de forma que não se repita o passado nocivo que tivemos”, ressaltou o governador.
Para Rosa Maria Cardoso, integrante do grupo que acompanhou os encontros no estado, a criação de uma comissão para tratar de temas ainda obscuros no estado poderá ter grande utilidade para a elaboração do relatório final que será entregue em maio de 2014 e evitar que pontos ainda pouco apurados fiquem esquecidos. “São muitas demandas apresentadas em Minas. Temos em andamento as investigações sobre a morte de Juscelino Kubitschek (veja insert), casos obscuros como o massacre de Ipatinga, militantes até hoje desaparecidos e locais usados pelo regime que ainda não foram totalmente esclarecidos. São temas que estão sendo apurados e com uma cooperação entre novos grupos de trabalho poderemos ter avanços significativos”, explicou Rosa.
Novas demandas a solucionar
Nessa terça-feira, uma mesa-redonda foi formada por integrantes do Memorial da Anistia da Ordem dos Advogados de Minas Gerais (OAB-MG), militantes mineiros torturados e representantes de associações de vítimas da ditadura militar para receber os integrantes da comissão. Na pauta do encontro, novos relatos de pessoas que viveram na pele as crueldades do regime militar e muitas demandas de casos ainda não solucionados que ocorreram no estado.
Um dos primeiros a apresentar sua história foi o padre francês Michel Leven, de 81 anos, que já vivia em BH durante a ditadura e foi preso duas vezes por participar de supostas conspirações contra os militares. Recentemente, ao descobrir que seu nome vinha sendo acompanhado por autoridades da época desde 1967 – um ano antes de ser preso –, a triste história vivida no período voltou à tona e o fez refletir sobre como sua trajetória foi modificada por ações do grupo que chegou ao poder. Ao contar sobre sua vida na capital nas década de 1960 e 1970, o religioso buscou deixar de lado os motivos do sofrimento e preferiu pensar no futuro. “O que espero desse grupo é que crie uma verdadeira consciência civilizatória para o Brasil. Que trabalhe a cultura política de nossa sociedade. Infelizmente, até hoje não valorizamos nossa história e isso é um passo atrás para nosso presente”, pediu Michel.
Massacre
A ideia de construir marcos em homenagem às vítimas também foi o principal motivo que levou Edinho Ferramenta, presidente da Associação dos Trabalhadores Anistiados do Massacre de Ipatinga, a apresentar o caso que se passou no Vale do Aço em 1963, mostrando o que aconteceria nos anos seguintes. “Estamos batalhando para construir um acervo histórico na cidade sobre esse evento trágico. Já tentamos levantar esses documentos com as Forças Armadas e as respostas não aparecem. O número oficial de mortos, dos militares, é oito, mas só da capital vieram 30 caixões. No ano que vem esse caso completa 50 anos com questões abertas e que permanecem até hoje abafadas”, cobrou Edinho.
Os integrantes da Associação dos Amigos do Memorial da Anistia – que tentam a construção de um memorial na antiga Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), na Rua Carangola, Bairro Santo Antônio – também entregaram um documento aos integrantes da comissão com uma lista de pedidos para serem apurados pelo grupo. Entre eles estão o esclarecimento do caso de 25 mineiros que foram mortos fora do estado, o paradeiro de outros 25 mineiros sequestrados que permanecem desaparecidos – 11 deles na região do Araguaia –, esclarecimentos sobre 58 casos de atentados em BH feitos por grupos anticomunistas e sobre o assassinato de 16 militantes de outros estados em prisões mineiras. (MF)
A obscura morte de jk
Um dos casos mais obscuros do regime militar envolve o ex-presidente Juscelino Kubitschek, morto em um acidente de carro em 1976. Em agosto, a OAB-MG pediu à Comissão da Verdade uma nova apuração sobre o caso com base em um material documental reunido durante a tramitação do processo, encerrada em 1996. Uma das hipóteses para a morte do ex-presidente é de que teria resultado de um atentado, sendo o acidente causado por um tiro na cabeça do motorista de JK pouco antes de o carro perder o controle na altura do km 165 da Rodovia Presidente Dutra, próximo a Resende (RJ). Uma das responsáveis pela investigação do caso, Rosa Maria Cardoso, explicou ontem a advogados mineiros que o caso está sendo apurado pelo grupo, com novos documentos e laudos sendo reunidos para posição da comissão.