Jornal Estado de Minas

Mensalão: Juiz de Minas segue tese do STF e anula efeitos da reforma da Previdência

Juiz de primeira instância, citando o julgamento no Supremo, anula efeitos da reforma da Previdência e praticamente dobra pensão paga a viúva de servidor público mineira

Leonardo Augusto Isabella Souto Luiz Ribeiro
A primeira consequência do julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não foi a absolvição ou a ida para a prisão dos réus envolvidos na ação. O juiz da 1ª Vara da Fazenda Estadual de Minas Gerais, Geraldo Claret Arantes, com base no voto do relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, de que houve compra de parlamentares para votação de projetos no Congresso Nacional em 2003 e 2004, decidiu anular os efeitos da reforma previdenciária aprovada pela Casa há nove anos.
A sentença foi proferida em processo movido contra o Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg) pela viúva de um servidor público estadual, Roberta Vieira Saraiva, moradora de Coração de Jesus, Região Norte de Minas, que pediu aumento da pensão deixada pelo marido. O valor, de R$ 2.575,71, subiu para R$ 4.827,90 com a decisão. O montante a menos vinha sendo pago por força de mudanças implementadas no sistema previdenciário com a reforma. Ainda cabe recurso à decisão.

Na sentença de oito páginas, o juiz Geraldo Claret lembrou que os tribunais adotam a teoria dos “frutos da árvore envenenada” para recusar provas vindas de métodos ilícitos – teoria que é cabível também em relação aos direitos dos servidores que foram alterados pela reforma da Previdência. “O que deriva do ilícito também é ilícito”, afirmou.

A tese, diz o juiz, é comum na jurisprudência brasileira e não há obstáculos para que “subsidiariamente e complementarmente tal teoria seja usada para, no caso em julgamento, seja declarado que a Emenda Constitucional 41/2003 (que tratou da reforma da Previdência) é fruto da árvore envenenada pela corrupção da livre vontade dos parlamentares, ferindo a soberania popular, em troca de dinheiro”, argumentou. Segundo  Claret, sua decisão já seria pelo aumento da pensão da viúva do servidor, mas a decisão do STF, de que o mensalão existiu, serviu como reforço para a sentença.

SEM RESPALDO O doutor em direito constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Lásaro Cândido da Cunha, que teve acesso à decisão do juiz Geraldo Claret, não acredita na sustentação da sentença nas instâncias superiores na hipótese de recurso. “Em seu posicionamento, o magistrado trata a reforma como direito previdenciário contratual, e há razão nisso, mas do ponto de vista de respaldo na jurisprudência do STF, esse ponto está superado”, alega o especialista. Segundo Lásaro, no Brasil não há o costume de manter os direitos de quem, por exemplo, vai se aposentar às vésperas da alteração de regras que o prejudicarão.

O especialista lembrou ainda que a reforma da Previdência já foi alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (adin) julgada pelo STF, que a considerou legal. A ação foi movida por associações de magistrados que reclamaram de quebra de direitos adquiridos com as regras trazidas pela reforma. Para Lásaro, um nova decisão sobre as mudanças previstas na reforma, portanto, só poderia partir do próprio STF, mesmo no caso da existência de novo fato, como a decisão, pelo tribunal, de que o mensalão existiu.

Notícia recebida com surpresa

Coração de Jesus (MG) –
Ela mal sabe o que é mensalão e não acompanhou o julgamento dos envolvidos no escândalo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Sofre problemas de saúde e enfrenta dificuldades para custear o tratamento médico. Essa é a condição da ex-costureira Roberta Vieira Saraiva, de 60 anos, personagem central da decisão do juiz da 1ª Vara da Fazenda Estadual, Geraldo Claret de Arantes, que, com base na tese de que houve compra de votos no caso do mensalão, decidiu anular os efeitos da reforma da Previdência de 2003 e restituir o benefício integral à mulher, que é viúva de um servidor público.

Embora o mandado de segurança concedido pelo juiz tenha sido publicado no dia 3, Roberta Saraiva somente tomou conhecimento da decisão ontem à tarde, por intermédio da reportagem do Estado de Minas, que localizou a beneficiária em sua casa simples, em Coração de Jesus, cidade de 26,2 mil habitantes, no Norte de Minas, a 475 quilômetros de Belo Horizonte. Desconfiada, ela demonstrou uma certa surpresa com a informação de que o juiz lhe deu ganho de causa com base no julgamento do caso do mensalão e somente resolveu emitir opinião sobre o assunto depois de explicações do repórter sobre o trâmite da ação.

Na sentença, o magistrado determinou que o Instituto de Previdência dos Servidores Públicos de Minas Gerais (Ipsemg) pague  a Roberta a totalidade do que era recebido pelo marido dela, Querino Saraiva Nobre, na condição de aposentado do cargo de oficial do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais e Interdições e Tutelas da Comarca de Coração de Jesus. Ele morreu em 21 de julho de 2004, aos 87 anos. Com a decisão, a viúva passa a receber R$ 4.801,64 por mês – e não mais os R$ 2.575,71 que estavam sendo depositados em sua conta desde que perdeu o marido. Também foi determinado o pagamento corrigido de valores que deixaram de ser pagos de julho de 2004 até hoje. Ainda cabe recurso da decisão.

A viúva do oficial de registro civil alegou que o pedido de revisão de sua pensão foi providenciado por um genro do seu falecido marido e que o mandado de segurança foi impetrado por um advogado, com o qual não chegou a manter contato direto.

RENDA A MAIS “Se isso realmente for verdade, o dinheiro será muito bem-vindo porque realmente estou precisando de uma renda a mais. Será muito bom mesmo, será ótimo”, comemorou Roberta. Ela alegou que tem problemas de coluna e outros problemas de saúde e precisa fazer vários exames médicos caros – como uma ressonância magnética –, mas não tem dinheiro para custear o tratamento. Por causa dos problemas de saúde, há oito anos ela foi obrigada a interromper o trabalho como costureira, passando a sobreviver somente da pensão deixada pelo marido, que acabou sendo reduzida com a reforma da Previdência, efetivada pela aprovação da Emenda Constitucional 41/2003. Roberta salienta que precisa ajudar o filho, que há pouco tempo foi submetido a uma cirurgia na coluna. “Estou precisando também fazer fisioterapia, mas não tenho condições de pagar”, alegou.

A pensionista revelou que viu “alguma coisa pela televisão”, mas que sabe muito pouco sobre o mensalão. “Eu só sei que o mensalão teve envolvimento de pessoas que votaram projetos com o recebimento de propinas... essas coisas”, afirmou a moradora de Coração de Jesus. Ela  comentou também: “Sou uma pessoa que não acompanha a política, mas ouço falar que os deputados roubam”. Por outro lado, ela reclamou do fato de ter deixado de receber o valor integral que era pago ao seu falecido marido. “Acho isso errado. Se uma pessoa trabalhou a vida inteira, como foi o caso do meu marido, eu tenho direito a receber o mesmo que ele recebia”, disse Roberta.