O desgaste do julgamento do mensalão envolvendo ex-grandes nomes do PT não foi suficiente para atrapalhar a maior conquista do partido nas eleições municipais de 2012. Com 3.387.720 votos (55,57% dos votos válidos), o petista Fernando Haddad venceu a eleição em São Paulo, impondo uma derrota histórica ao PSDB de José Serra, que teve 2.708.768 (44,43%). Ex-ministro da Educação, mestre em economia e doutor em filosofia, aos 49 anos, o afilhado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro discurso como prefeito eleito, o principal agradecimento foi para o padrinho, que se empenhou pessoalmente para superar os tucanos.
Com o resultado definido, Serrra desejou boa sorte ao prefeito eleito, após uma campanha marcada pela baixaria em sua reta final. Do prefeito Gilberto Kassab (PSD), escudeiro da campanha tucana, Haddad recebeu a garantia de uma transição de alto nível. Lula e Dilma não estavam ao lado de Haddad na comemoração na Avenida Paulista, no Centro da cidade. No primeiro pronunciamento como novo prefeito de São Paulo, o petista disse esperar recursos e cooperação da presidente para a sua gestão. Por 13 minutos, em discurso lido ao lado da mulher e dos filhos, Haddad reconheceu que só Lula poderia viabilizar sua candidatura. Na verdade, disse que sem ele seria “impossível” vencer.
“Eu agradeço ao presidente Lula do fundo do meu coração pela confiança, orientação e apoio, sem os quais seria impossível lograr êxito na eleição”, afirmou. Depois, em cima do trio elétrico na Avenida Paulista, para cerca de 500 pessoas, o prefeito eleito fez questão de mencionar, com ironia, a pecha de “poste” de Lula, que carregou durante toda a campanha, uma vez que jamais concorrera em eleições antes da disputa na capital paulista. “Vocês sabem que sou o segundo poste de Lula? Tem algum candidato a poste aqui?”, questionou Haddad, lembrando indiretamente que Dilma também recebera o mesmo apelido nas eleições de 2010.
Quem também comemorou a vitória do PT foi um dos mais ferrenhos adversários históricos da legenda em São Paulo: o deputado Paulo Maluf (PP), hoje aliado, abraçado por Lula e que não faz cerimônia para valorizar o passe, agora, de olho em espaço no governo de Haddad. “Nós estamos muito felizes com a vitória”, disse o dirigente do PP, que, batendo palmas, deu parabéns a Haddad e chegou a entoar um dos slogans usados nas campanhas de Lula à Presidência: “olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”.
SEM ESTRELAS
As ausências de Lula e Dilma no palanque da vitória, segundo petistas, serviriam para não ofuscar o protagonista da noite. “Sei que contarei com o apoio decisivo do governo da presidenta Dilma. Mas pontecializarei esse apoio com propostas e projetos criativos e irrecusáveis”, disse.
O petista agradeceu ainda o conforto e estímulo de Dilma nos “momentos mais difíceis da campanha”. Em comício ao lado de Haddad, ainda no primeiro turno, a presidente respondeu a um ataque do tucano José Serra, que havia afirmado que ela não deveria meter o bico em São Paulo. Dilma respondeu que tinha o dever de meter o bico porque a capital paulista não é uma ilha. No discurso de ontem, Haddad destacou que as prioridade de seu governo será a área social e a habitação. Alinhado com os discursos de Lula e Dilma, prometeu reduzir a desigualdade social da cidade. “Vamos derrubar o muro que separa a cidade rica da cidade pobre”, disse. Sem citar o rival no segundo turno, o tucano José Serra, Haddad agradeceu os adversários na disputa municipal. “Eles extraíram o melhor de mim numa disputa democrática”, afirmou.
Partilha à vista
A composição da gestão Haddad deve incluir a participação dos partidos que apoiaram a sua candidatura. O PMDB, por exemplo, é cotado para ficar com a Saúde. O PCdoB pode assumir a pasta de Esporte, que já ocupa no governo federal, mas já pleitea a Habitação. Haverá ainda uma preocupação de fazer nomeações que ajudem a compor maioria na Câmara Municipal, já que o PT tem apenas 11 do 55 vereadores da cidade. Outro ponto que deve ser levado em consideração é a disputa interna das concorrentes petistas. A ideia é contemplar todos os grupos, de acordo com a representatividade no Diretório Municipal.
Haddad tem afirmado, porém, que quer dar um caráter técnico para a sua equipe de governo. Para a Secretaria de Cultura, quer o filosofo Vladimir Safatle. Ao todo, seis ministros participaram do ato político, entre eles Alexandre Padilha (Saúde), Aloizio Mercadante (Educação), Ideli Salvati (Relações Institucionais) e Eduardo Cardozo (Justiça). No discurso, o prefeito eleito também agradeceu o candidato do PMDB derrotado no primeiro turno, Gabriel Chalita, que estava presente no ato político, e o vice-presidente Michel Temer.
A ministra Marta Suplicy (Cultura) também comemorou a vitória e disse ter ficado de “alma lavada” com a derrota do ex-governador de São Paulo José Serra. Ela reconheceu que Lula estava certo ao ter escolhido um nome novo para a disputa e disse que a perda do
PSDB na capital paulista foi “bem merecida”.
Com agências
Sem espaço no ninho
A derrota na disputa pela Prefeitura de São Paulo praticamente sepulta qualquer pretensão futura de José Serra. Sem a presença de lideranças nacionais importantes em seu discurso de agradecimento — apenas o senador Aloysio Nunes Ferreira esteve presente —, Serra ainda tentou deixar em aberto que, para livrar-se dele, os agentes políticos do PSDB terão que entrar em campo. “Saio dessa campanha mais revigorado, com mais energia, disposição e novas ideias”, declarou. Mas Serra fica refém do discurso de renovação que o partido precisa enfrentar a partir de agora.
Ontem, ao votar no Colégio Sion, na Zona Oeste de São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elogiou a tenacidade do candidato do PSDB durante a disputa pela prefeitura, mas deu a senha de que o partido precisa virar a página. “O Serra é mais jovem do que eu e ele ainda tem a possibilidade de continuar a sua carreira, mas o partido, no geral, precisa de renovação. O momento é de mudança de gerações, mas isso também não quer dizer que os antigos líderes vão desaparecer. Eles têm apenas que empurrar os novos para a frente”, comentou. Perguntado se a vitória do petista Fernando Haddad significaria vitória pessoal do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva, Fernando Henrique disse que, no caso de São Paulo, isso é correto: “No caso de São Paulo, sim. Em outros lugares, perdeu. Eleição é assim: ganha num lado, perde no outro e não adianta generalizar.”
Muitos no PSDB criticaram a opção do partido não ter tentado essa renovação no início do ano, quando quatro pré-candidatos pretendiam disputar as prévias internas: José Aníbal; Ricardo Trípoli; Bruno Covas e Andrea Mattarazzo. “Vendo o resultado de São Paulo, ficou provado que o desejo da militância de renovação por intermédio das prévias estava correto. O PSDB está muito calado, cheio de conveniências que não convergem com o desejo e o pensamento do eleitorado”, disse à reportagem o secretário de Energia de São Paulo, José Aníbal. “A nossa derrota em São Paulo foi dramática”, resumiu um dos coordenadores da campanha, Walter Feldmann (PSDB-SP). O resultado também foi ruim para o PSDB, que perde a principal capital brasileira e um polo irradiador de políticas e ações fundamentais para a disputa ao Planalto em 2014.
TESTE FINAL Serra sempre soube que a disputa pela Prefeitura de São Paulo seria a última chance de encerrar a carreira política com uma vitória. Passou a campanha inteira garantindo que, se eleito, não abandonaria a prefeitura, como fez em 2004. “Não dá para fazer isso duas vezes em São Paulo impunemente. Ele foi eleito governador em 2006, mas jamais arriscaria novamente esse passo”, assegurou um interlocutor fiel de José Serra.
Em 2002, quando acabou derrotado pela primeira vez em uma disputa presidencial, Serra refugiou-se nos Estados Unidos para dar aulas na Universidade de Princeton, onde já fora professor visitante. No fim de 2003, retornou ao Brasil para assumir a presidência do PSDB. No ano que vem, o partido terá novas eleições para a presidência. Mas alguns tucanos, inclusive muitos próximos ao candidato a prefeito, reconhecem que são outros tempos. (PTL).
O novato tirado dos gabinetes
O prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad, casado, pai de dois filhos, sempre militou ao lado de estrelas do PT. Chegou ao governo federal em 2003, pelas mãos do então ministro do Planejamento, Guido Mantega, hoje titular da Fazenda. No ano seguinte, recebeu o convite para ser secretário-executivo do Ministério da Educação. O titular era o atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. Assumiu a pasta em 2005, quando Genro deixou o governo para assumir, interinamente, a presidência do PT no auge do escândalo da mensalão.
Permaneceu na pasta durante o restante do governo Lula, incluindo o segundo mandato. Chamado ao gabinete presidencial, confrontou-se com um debate sobre febre aftosa. Errou as duas perguntas que o seu mentor político fez. Mas conseguiu, ao longo do tempo, aproximar-se do presidente e tornar-se o nome na eleição paulistana.
Em 1985, formou-se em direito pela Universidade de São Paulo. Em 1988, mesmo ano em que o PT vencia a primeira disputa pela prefeitura paulistana, com Luiza Erundina, sua quase vice em 2012, Haddad tornou-se analista de investimento do Unibanco, banco que se fundiu posteriormente com Itaú. Animado com o novo emprego, concluiu o mestrado em economia em 1990 e, em 1995, tornou-se doutor em filosofia.
Dois anos depois de concluir o doutorado, passou em um concurso para professor da USP, e, aos 34 anos, dava aulas no Departamento de Ciência Política. Um ano depois, torna-se consultor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, onde cria a Tabela Fipe, que expressa os preços médios de veículos no mercado nacional, servindo apenas como um parâmetro para negociações ou avaliações.
Em 2001, com Marta Suplicy prefeita, assumiu a chefia de gabinete da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico de São Paulo, subordinado ao economista João Sayad. Seguiu da secretaria direto para o Ministério do Planejamento. De lá para Educação, de onde saiu em janeiro deste ano para candidatar-se a prefeito de São Paulo. (PTL)