O pacto federativo no Brasil está em vias de ser transformado. Um grupo criado pelo Senado, intitulado Comissão de Notáveis, pretende tirar poder do governo federal e dar mais autonomia aos estados. Com as mudanças, os parlamentares esperam ainda dar fim à guerra fiscal e tornar a distribuição de recursos públicos mais igualitária entre as regiões. Para isso, porém, terão de convencer prefeitos e governadores a perder arrecadação com Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e com royalties de petróleo. No total, serão avaliadas pelo Congresso 11 propostas e uma das mais polêmicas está na alteração no Código Penal: será instituído o crime de guerra fiscal com pena que vai de um a quatro anos de reclusão.
Os parlamentares pretendem ainda tirar poder do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que hoje decide sobre benefícios fiscais regionais. Eles vão criar o Conselho Nacional do ICMS (Conaci), que poderá autorizar isenções e alíquotas diferenciadas com dois terços dos votos dos participantes – no Confaz é necessário unanimidade. “A missão do Senado é fazer a transição de um federalismo predatório para um solidário”, observou Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa e presidente da comissão. “Nós temos de criar mecanismos que sejam justos, que façam o que a Constituição manda”, afirmou Sarney.
Para diminuir a briga com estados produtores e que detêm grande receita de ICMS, a comissão sugeriu ao Senado criar um refinanciamento das dívidas dos estados, municípios e Distrito Federal. Atualmente, a regra corrige essa fatura pela variação do Índice Geral de Preço Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais juros de até 11% ao ano. Pelo projeto de lei complementar que será avaliado, a norma de correção seria o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que tem altas mais moderadas que o IGP-DI, mais juros de 4% ao ano. A avaliação é de que o cenário atual de juros no Brasil, com a taxa básica (Selic) no menor nível da história (7,25% ao ano) cria as condições ideais para aprovar o projeto e vencer resistências dentro do governo.
PARTILHA GENEROSA No caso da distribuição dos royalties de petróleo e gás, a comissão propõe uma partilha mais generosa a estados e municípios não produtores do que existe hoje, mas vinculados a investimentos. O projeto de lei em discussão no Senado não estabelece vinculação. Esses recursos seriam “carimbados” para infraestrutura. Entre outras propostas, há ainda o veto ao estabelecimento de pisos salariais nacionais, nova divisão dos fundos de participação de municípios em tributos federais e de municípios em estaduais, além do aumento da compensação federal a impostos que os estados deixam de receber por produtos exportados.
Arranjo institucional
Sugestões da comissão de especialistas criada pelo Senado
Dívida
Proposta: Estados, municípios e DF pagariam IPCA mais juros de 4% ao ano
Situação atual: Pagam o IGP-DI mais juros de até 11% ao ano
Instrumento: Projeto de lei complementar
Royalties
Proposta: Estados e municípios não produtores teriam mais recursos do que hoje, porém menos do que o proposto no projeto de lei em discussão no Senado, e teriam de usar os recursos em investimentos
Situação atual: Projeto de lei em discussão no Senado pretende reduzir a participação de estados e municípios produtores em benefício dos não produtores
Instrumento: Emenda ao projeto de lei sobre o tema em tramitação no Senado
Guerra fiscal
Proposta: Criação do Conselho Nacional do ICMS (Conaci), que poderá tomar algumas decisões sobre benefícios por dois terços dos votos em vez de unanimidade, o que deverá dar mais respaldo e clareza às decisões; tipificação de crime para quem conceder incentivos ilegais
Situação atual: Hoje existe o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), sem respaldo em lei, no qual as decisões devem ser unânimes e excluem muitos aspectos das questões entre as unidades da federação; não há punição para quem concede benefícios ilegais
Instrumento: Projeto de lei complementar e instituição, no Código Penal, da tipificação do crime para quem conceder benefícios ilegais
Exportações
Proposta: Para compensar o ICMS que deixam de recolher sobre o que é exportado, estados e o DF receberiam 12% da arrecadação do governo federal com o IPI; nenhum poderia receber mais de 10% do bolo
Situação atual: São destinados às compensações 10% do IPI; cada unidade da Federação pode ficar com até 20% do bolo
Instrumento: Emenda à Constituição
Piso salarial
Proposta: Proibido estabelecimento de valor nacional
Situação atual: Não há veto claro. Tramitam várias propostas de estabelecimento de piso ou equiparação nacional de salários de algumas categorias profissionais
Instrumento: Emenda à Constituição