O código de silêncio firmado entre os integrantes da organização criminosa comandada pelo bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, será punido no relatório final da CPI que apura a ligação do contraventor com agentes públicos, políticos e empresários. Praticamente concluído e tratado com absoluto sigilo pelo relator Odair Cunha (PT-MG) e seus principais assessores, o documento vai sugerir o indiciamento de todos os integrantes da quadrilha que, munidos de habeas corpus, a exemplo de Cachoeira, ficaram calados durante os depoimentos. O calhamaço terá mais de mil páginas e só será apresentado no dia 20. Membros da comissão revelaram ao Estado de Minas que o relatório pedirá o indiciamento do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), do ex-senador Demóstenes Torres, cassado em julho, do ex-vereador de Goiânia Wlademir Garcez, do dono da Delta, Fernando Cavendish, e de seus diretores envolvidos no escândalo.
As sugestões de indiciamento são diversas. Têm como base vários crimes previstos no Código Penal, a exemplo de formação de quadrilha, tráfico de influência, falsidade ideológica, fraude em licitações e lavagem de dinheiro. Mais da metade dos depoentes ficou calada. Os homens mais próximos a Cachoeira, justamente os que detinham mais informações sobre a atuação do grupo, a exemplo do sargento da Aeronáutica Idalberto Matias de Araújo, o Dadá, Jairo Martins, Gleyb Ferreira da Cruz, Lenine Araújo de Souza e José Olímpio de Queiroga Neto, seguiram o mesmo caminho do chefe e silenciaram.
Para embasar o relatório final, foram analisadas 69.694 páginas referentes a sigilos bancários. São 11.333 folhas relativas a quebras de sigilo fiscal de 75 pessoas físicas e jurídicas. A CPI recebeu ainda 45.594 páginas de extratos de ligações telefônicas. Somando documentos, planilhas, fotos, vídeos, extratos, áudios e relatórios analíticos chega-se ao total de 1,1 terabaite de informações.
Em setembro, o Estado de Minas mostrou que o Deltaduto – canal de financiamento de campanhas políticas a partir de repasses milionários de recursos provenientes da Construtora Delta para 18 empresas fantasmas – somava R$ 421 milhões e poderia até dobrar o valor quando dados inconsistentes remetidos à comissão fossem atualizados. Boa parte do dinheiro foi sacada em junho, setembro e outubro de 2010, antes das eleições daquele ano. A empresa que mais recebeu foi a SP Terraplenagem Ltda, com o repasse de R$ 46 milhões.
Amigo íntimo Um dos membros da CPI revelou ao Estado de Minas que o deputado Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO), flagrado em mais de 100 escutas telefônicas com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, pode não figurar como indiciado simplesmente porque o relatório final não deve se sobrepor à investigação da Câmara dos Deputados. Atualmente, o relatório da comissão de sindicância, instaurado para apurar a conduta do parlamentar, seguiu para a Mesa Diretora. Até agora, as informações não foram remetidas ao Conselho de Ética.
Nas conversas telefônicas interceptadas pela Monte Carlo, o parlamentar faz referências a cheques e ao uso de um cartão de crédito do contraventor para pagar a compra de jogos infantis para computador. Em outras gravações, Leréia avisa ao amigo das investigações feitas contra o esquema de jogos ilegais. A PF apontou que há indícios do envolvimento comercial de Leréia com o bicheiro, como a sociedade na compra de um avião.
Em relação à movimentação financeira do grupo, os técnicos da CPI ainda estão finalizando a análise para incorporá-la ao relatório. A quebra do sigilo de 75 empresas e pessoas físicas ligadas ao grupo criminoso apontou um fluxo de recursos da ordem de R$ 84,3 bilhões entre 2002 e 2012. O dinheiro representa quase metade de todo o orçamento do Distrito Federal em 2011. A movimentação engloba as cifras que entraram e saíram das contas bancárias dos investigados. Só depois de analisar esse montante a CPI vai indicar quando foi o volume total movimentado pelo quadrilha.
Lei criada pela máfia
O silêncio absoluto diante de qualquer autoridade é marca registrada da máfia italiana. O consenso estabelecido pelos mafiosos de nunca colaborar com os investigadores, mesmo sob forte pressão, ficou conhecido como o princípio da Omertà. A palavra de etimologia italiana significa "conspiração." Quem quebra o código máximo da organização criminosa é, geralmente, punido com a morte. Todos os membros da quadrilha comandada por Carlinhos Cachoeira seguiram o código do silêncio à risca. "Vou fazer uso das prerrogativas constitucionais e me reservar o direito de permanecer em silêncio." Essa foi a frase padrão mais ouvida durante os depoimentos dos envolvidos no escândalo.