Brasília – Interrompido desde 25 de outubro, o julgamento do mensalão será reiniciado depois de amanhã diante das recentes revelações e ameaças feitas pelo empresário Marcos Valério, que formalizou um pedido de delação premiada. A apreciação do processo, que parecia já ter atingido o seu clímax com a condenação do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, tem todos os ingredientes para esquentar em sua reta final. Na quarta-feira, 14 dias depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) realizar a última sessão dedicada à Ação Penal 470, os ministros retomarão os cálculos das penas dos réus condenados pelo envolvimento com o escândalo de compra de apoio político ocorrido no primeiro mandato do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
No período de quase duas semanas sem sessões do mensalão não faltaram movimentações de bastidores. Veio à tona a informação de que Valério prestou um depoimento espontaneamente ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no fim de setembro, no qual afirmou que está correndo risco de morrer. Ele teria mencionado o nome de Lula e do ex-ministro Antonio Palocci, e ainda citado informações sobre o assassinato em 2002 do então prefeito de Santo André, Celso Daniel.
O presidente do STF, Carlos Ayres Britto, e o próprio procurador-geral descartam que uma eventual delação de Valério possa interferir no julgamento da Ação Penal 470. A avaliação é de que uma possível colaboração do empresário poderá ter efeito somente na análise de outros processos que tramitam na primeira instância, que são desdobramentos do mensalão.
O julgamento acabou suspenso na semana retrasada em meio a um confuso debate sobre a dosimetria das penas, no qual os ministros não chegaram a um denominador comum. A divergência é tamanha que os integrantes do STF conseguiram definir a pena de somente um dos 25 réus durante as três sessões já destinadas à dosimetria. Marcos Valério está condenado a mais de 40 anos de cadeia, mas o tamanho de sua punição poderá ser revisto ao fim do julgamento.
O grande embate na fase de dosimetria gira em torno do concurso material e do nexo de continuidade delitiva. Os réus defendem a aplicação desse segundo mecanismo, segundo o qual a repetição de um crime é considerada apenas um agravante, com possibilidade de aumento da pena de um sexto a dois terços. No concurso material, as penas são multiplicadas pelo número de vezes que o crime referente a um mesmo tipo penal foi cometido.
Os desentendimentos das últimas sessões surgiram após a discrepância acerca das penas-base fixadas pelo relator do processo, Joaquim Barbosa, e pelo revisor, Ricardo Lewandowski, e também pela dificuldade dos ministros quanto à aplicação da nova ou da antiga lei que estabelece penas para os crimes de corrupção ativa e passiva. Enquanto a legislação em vigor prevê pena de dois a 12 anos, a antiga – válida para crimes cometidos até novembro de 2003 – fixa entre um e oito anos. Como as condutas apontadas contra os réus do mensalão ocorreram entre 2003 e 2005, os ministros passaram a considerar a data exata do crime para definir a qual lei recorrer.
Aposentadoria Na avaliação do ministro do STF Marco Aurélio Mello, a pausa no julgamento se mostrou positiva para os ministros e para a Corte. “Foi importante porque tivemos a oportunidade de refletir um pouco sobre diversas questões referentes à dosimetria”, afirmou. O magistrado lamenta o fato dado como certo de que o julgamento não será concluído antes da aposentadoria compulsória de Ayres Britto, que deixará a Corte até o dia 18, quando completará 70 anos. “Creio que o veredicto vai ser revelado e proclamado pelo ministro relator”, disse Marco Aurélio, referindo-se à posse de Joaquim Barbosa no cargo de presidente do STF no dia 22.