A análise das penas para o núcleo político na denúncia do mensalão deflagrou o mais duro conflito entre ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em três meses de julgamento. O revisor, Ricardo Lewandowski, deixou o plenário em protesto à iniciativa do relator, Joaquim Barbosa, de iniciar o debate ontem com a fixação da punição para o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu, condenado por formação de quadrilha e corrupção ativa.
Lewandowski reclamou de que os advogados dos réus de Dirceu e dos demais integrantes do núcleo político não estavam presentes para eventuais contestações. O ministro disse que voltou de uma viagem preparado para deliberar, como revisor, sobre as penas dos réus do núcleo financeiro. Nesse momento, Lewandowski foi interrompido. “Não interessa de onde Vossa Excelência veio”, retrucou Barbosa.
Para o relator, Lewandowski adota uma postura de “obstrução” ao se chocar constantemente com as suas posições. “Não aceito surpresas”, disse Lewandowski ao defender a manutenção da pauta prevista informalmente. Barbosa contestou: “A surpresa que está havendo é a lentidão na hora de proferir os votos”.
Enquanto o revisor lamentava a alteração no cronograma, o presidente do STF, Ayres Britto, saiu em defesa do relator. Sustentou que, em sessão de agosto, os ministros deliberaram que cada um poderia adotar a metodologia de voto que preferisse. Dessa forma, Barbosa não estaria descumprindo qualquer preceito da Corte. Lewandowski não aceitou e pediu uma retratação por ter sido acusado de obstruir os trabalhos. Como essa exigência foi ignorada, deixou o plenário.
Lewandowski permaneceu fora durante toda a discussão sobre as penas impostas a José Dirceu e ao ex-presidente do PT José Genoino. Como o revisor os absolveu, não havia previsão de sua participação no debate. A cadeira vazia, no entanto, manteve um aparente clima de discórdia entre os ministros.
Assim que começou a discussão sobre as penas do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o ministro Marco Aurélio Mello lembrou que Lewandowski deveria participar, uma vez que, nesse caso, como revisor que concordou com a condenação, a presença dele era fundamental. Ayres Britto, então, chamou o intervalo da sessão para tentar convencer o colega a retornar ao plenário.
Lógica
Aos jornalistas, o presidente do STF voltou a endossar a postura de Joaquim Barbosa. “Vocês já viram alguém contestar a metodologia de voto apresentada pelo relator? Nunca. Jamais. Em tempo algum”, sustentou Ayres Britto. O ministro chegou a defender como lógica a ordem adotada por Barbosa. “É melhor julgar a corrupção ativa antes da passiva”, acredita o presidente do STF.
Num intervalo que durou mais de uma hora, os ministros conversaram bastante. Lewandowski ficou um bom tempo andando na lateral do prédio do STF ao telefone. No retorno dos trabalhos, voltou ao plenário. “As pessoas, às vezes, estranham que as nossas discussões se tornem acaloradas. Mas isso para mim é sinal de vitalidade. Isso comprova que aqui não há nada combinado”, disse Ayres Britto.
Lewandowski agradeceu a manifestação do presidente e disse que a tomaria como um desagravo. Foi, mais uma vez, interrompido por Joaquim Barbosa. “Vamos logo, quero começar a votar”, disse. Até o fim da sessão, o clima esfriou. Houve até troca de brincadeiras entre os dois ministros.
Outras definições
Antes do debate acalorado dos ministros, a Corte retomou ontem a dosimetria das punições de Simone Vasconcelos e decidiu aplicar à ex-diretora financeira das agências de publicidade de Marcos Valério a pena de 12 anos, sete meses e 20 dias de prisão em regime fechado. Já no fim da sessão, os ministros se dedicaram à votação das penas do núcleo financeiro, mas terminaram com a definição apenas para a ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello a 16 anos e oito meses de prisão. As multas aplicadas ficam em cerca de R$ 1,5 milhão. O julgamento será retomado amanhã.
Convite à presidente
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa visitou o Palácio do Planalto, ontem pela manhã. No encontro, que não estava na agenda presidencial, Barbosa entregou pessoalmente a Dilma Rousseff o convite para sua posse como presidente da Corte. A cerimônia está marcada para o dia 22, no plenário do Supremo. Barbosa, de 58 anos, foi eleito para assumir o comando do STF após a aposentadoria compulsória do atual presidente, Carlos Ayres Britto, que completa 70 anos e deixa o cargo esta semana. Ele cumprirá dois anos de mandato como presidente do STF e terá como vice-presidente um dos seus maiores oponentes no julgamento do mensalão, o ministro revisor do processo, Ricardo Lewandowski.
Só em 2013
Esta semana, o STF dedica duas sessões ao mensalão: a de ontem e a de amanhã – a última com a participação do presidente Carlos Ayres Britto, que completa 70 anos no domingo. O julgamento só será retomado no dia 19, sob o comando provisório do relator Joaquim Barbosa. Na última semana do mês, também estão agendadas só duas sessões para o mensalão; no dia 29, Teori Zavascki, atual ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assume como ministro do Supremo. A Corte entra em recesso em 20 de dezembro e só volta em fevereiro de 2013. Ontem, Ayres Britto disse que não pretende concorrer a cargos públicos nas eleições de 2014. Ele revelou que vai se dedicar a ler e escrever poesias e à atividade acadêmica. Ayres Britto já disputou mandato parlamentar pelo PT.