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Estado de Minas

Força-tarefa apontará falhas em penitenciárias do país


postado em 16/11/2012 07:42 / atualizado em 16/11/2012 11:28

Diante das declarações do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que na terça-feira disse preferir morrer a cumprir pena em um presídio brasileiro, o governo federal se viu obrigado a preparar uma força-tarefa para melhorar o sistema penitenciário do país. Uma comissão conjunta – formada por técnicos da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), ligada à Presidência da República, e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), vinculado à pasta de Cardozo – começará a se reunir já na semana que vem com os secretários responsáveis pelas unidades prisionais em cada estado. A ideia é levantar as principais necessidades de cada um e identificar os entraves que dificultam a aplicação de recursos da União no setor.

A agenda de reuniões será acertada na segunda-feira. Um forte candidato a primeiro estado a ser visitado pela comissão federal é Santa Catarina, devido à suspeita de que a ordem para os ataques violentos (leia mais na página 7) que tomaram conta do estado nesta semana tenha partido de dentro do presídio de São Pedro de Alcântara, na Região Metropolitana de Florianópolis, como protesto contra abusos e tortura. O estado tem um 1,7 detento por vaga, mesma proporção do Brasil, onde o déficit de vagas chega a 208 mil, segundo o levantamento mais recente do Depen, divulgado em dezembro de 2011. O país abriga 514.582 presos.

Um dos principais desafios da comissão conjunta do governo federal será acelerar a aplicação dos recursos da União. Nos últimos três anos, o Ministério da Justiça deixou de investir R$ 673 milhões no Fundo Penitenciário Nacional. O governo federal previa destinar R$ 1 bilhão para manter e modernizar os presídios, mas só destinou R$ 284 milhões, o equivalente a 28% do previsto. Os dados são do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).

As declarações do ministro, que o levaram a convocar uma entrevista coletiva no dia seguinte feita por videoconferência, já que ele estava a trabalho no Peru, causaram um mal-estar dentro da pasta. As equipes do Depen que se empenham em colocar em prática o Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional, lançado há cerca de um ano pela presidente Dilma Rousseff, sentiram-se desrespeitadas pelo chefe. A ideia do departamento, porém, é aproveitar a repercussão das declarações de Cardozo para tentar fortalecer as ações em prol das unidades prisionais do Brasil. O ministro reconheceu que casos de violações dos direitos dos detentos são frequentes e que não há reinserção na sociedade. Cardozo disse ainda que em alguns presídios os presos ficam detidos em celas com fezes e sem espaço para dormir.

A frase de Cardozo gerou repercussão entre ministros do Supremo. Na sessão de quarta-feira, Celso de Mello e Gilmar Mendes comentaram a situação do sistema penitenciário brasileiro. “Louvo as palavras do ministro da Justiça, mas lamento que ele tenha falado isso agor, porque esse é um problema desde sempre”, disse Mendes. O decano do STF, Celso de Mello, também lembrou que a responsabilidade é da pasta. “É grande a responsabilidade do Ministério da Justiça na implementação dos grandes princípios e nas magníficas diretrizes contempladas na própria legislação de execução penal”.

MOBILIZAÇÃO
Ativistas na área de direitos humanos também querem aproveitar a mobilização em torno do tema para cobrar melhorias e investimentos. O diretor da Anistia Internacional, Átila Roque, diz que a entidade monitora os problemas do sistema carcerário há décadas e lembra que as prisões estão em situações degradantes e inumanas. “É chocante ver as próprias autoridades reconhecerem o estado calamitoso, trágico e vergonhoso do sistema penitenciário. Por outro lado, essa admissão é positiva, especialmente se ela for seguida de ações”, lembra Átila Roque. “Espera-se que ele, como ministro da Justiça e como autoridade máxima da área, esteja preparado para dar os passos necessários para a solução do problema. A palavra dele deve trazer consequências e melhorias”, acrescenta. A Anistia Internacional está concluindo um novo relatório sobre a situação carcerária do país.

Integrante do Conselho Nacional de Segurança Pública, ligado ao Ministério da Justiça, e assessor de direitos humanos do Instituto de Estudos Socioeconômicos, o advogado Alexandre Ciconello concorda que é preciso uma reforma penal, além de mais investimentos, para acabar com o caos nos presídios. “O que o ministro falou é a mais perfeita verdade, o sistema carcerário é medieval e não ressocializa ninguém. Mas o que nos deixa perplexos e até sem esperanças é que essa declaração tenha vindo da pessoa que é responsável por solucionar a questão”, comenta Ciconello.

Risco de agravar superlotação

A superlotação do sistema penitenciário brasileiro, que abriga 514 mil pessoas em 306 mil vagas, poderia se agravar caso fossem cumpridos os 162.944 mandados de prisão atualmente em aberto no país. Esse é o número de ordens aguardando cumprimento no Banco Nacional de Mandados de Prisão, administrado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O cadastro, criado por uma lei de 2011, aponta ainda que 41.782 mandados já foram cumpridos e 7.043 expiraram.

Segundo o último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional, o Brasil tem 269 cidadãos detidos a cada 100 mil brasileiros, o que nos coloca entre os países com maior população prisional. A maioria está em regime fechado: são 203,4 mil pessoas permanentemente atrás das grades. Um dado das estatísticas é preocupante e mostra que 173,8 mil são presos provisórios, o que corresponde a 33% do total. Essas pessoas ainda não têm processo com trânsito em julgado e muitos já deveriam estar soltos. No semiaberto há 71,4 mil presos, de acordo com o último levantamento.

A superlotação é um dos principais problemas. O sistema prisional tem hoje 306 mil vagas, ou seja, o déficit é de pelo menos 208 mil. Segundo o último levantamento do Depen, 97,2 mil funcionários trabalham nos presídios de todo o país. Os dados mostram a falta de qualificação dos presos brasileiros. Quase 60% dos que estão sob a custódia do Estado não terminaram o ensino fundamental.

Os crimes contra a vida são minoria. Apenas 11% dos presos cometeram homicídio ou sequestro. Já os delitos contra o patrimônio levaram 46% dos detentos para o sistema carcerário. Entre esses, roubo qualificado é o mais recorrente.

Para o advogado Alexandre Ciconello, o modelo repressivo de segurança pública é uma das causas da superlotação dos presídios. Ele lembra que a maioria dos detentos é de baixa escolaridade, negros e muitas vezes até réus primários. “Existe hoje um encarceramento massivo. Estamos vendo que nesse modelo, as pessoas que estão na cadeia não são aquelas que cometeram crimes mais violentos. Nosso modelo de segurança leva ao caos no sistema carcerário, porque reprime e encarcera”, acrescenta o advogado. (HM e RM)


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