Com quantos anos um trabalhador deve se aposentar? A questão nunca foi tão debatida quanto nos últimos meses, quando em pleno julgamento do maior escândalo de corrupção do Brasil dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram obrigados a pendurar as togas por chegarem aos 70 anos: Cezar Peluso, em 3 de setembro, e Carlos Ayres Britto, que completa a idade hoje. No mesmo país cuja lei considera que o servidor público em geral – incluindo os magistrados, conforme estabelece o artigo 93, inciso VI, da Constituição – não está mais apto a exercer a carreira ao completar sete décadas de vida, nada menos que 111 prefeitos e 388 vereadores com mais de 70 anos – alguns deles com mais de 80 – saíram vitoriosos das urnas e vão assumir cadeiras nas prefeituras e câmaras municipais de cidades com dezenas de milhares de habitantes. Até mesmo para assumir funções da mais alta relevância, como a Presidência da República, não há limite máximo de idade.
Com 87 anos, Jair Toledo Paiva (PMDB) será pela quarta vez prefeito de Paiva, cidade com cerca de 2 mil habitantes, na Zona da Mata. O título de mais velho eleito em Minas e segundo no país não o impede de se considerar entre os mais jovens. “Acho que estou com uns 30 anos. Não sinto nada, dirijo para todo lugar, não paro em casa e tenho saúde para dar e vender”, conta o peemedebista, que no fim de semana visitou cidades vizinhas ao seu município. Atual vice-prefeito, Jair tem um laboratório de homeopatia no qual oferece consultas gratuitas à população, e planeja fazer um curso de aperfeiçoamento no ano que vem. É solteiro e não tem filhos. Neto do fundador da cidade, que tem seu sobrenome, também se orgulha do fato de o pai ter sido o primeiro político que comandou Paiva. “Alimentação é a base de tudo. Meu pai viveu 102 anos com a memória perfeita”, conta o prefeito eleito.
Jair Paiva não entende por que os ministros do Supremo precisam se aposentar aos 70 anos. “Deveriam ficar até uns 80 anos pelo menos. Com mais idade teriam até mais condições de julgar a corrupção no Brasil, estariam mais maduros”, avalia o vice-prefeito, que tem ideias modernas para a cidade. Pretende levar uma indústria para o município para tentar assegurar a presença dos moradores com emprego.
DISPOSIÇÃO
Um pouco mais jovem na carteira de identidade, o prefeito eleito de Morada Nova de Minas, com cerca de 10 mil habitantes, na Região Central, Walter Francisco de Moura (PSDB), pretende melhorar os serviços de saúde da cidade. Aos 79 anos, ele assume também pela quarta vez o posto com bastante disposição. “Se não estivesse bem não teria enfrentado a campanha. Tenho autocrítica suficiente para saber se posso trabalhar”, afirma. O tucano também é crítico da aposentadoria compulsória no STF. “A sociedade não pode deixar uma pessoa que tem competência, está no seu juízo perfeito, se afastar. A pessoa tem condição de trabalhar em beneficio da sociedade, por que ministro não pode? Por que não podemos aproveitar o conhecimento de uma pessoa que tem experiência?”, disse.
A receita do agropecuarista para se manter em forma é justamente não parar. Ele já foi bancário e se aposentou, mas nunca ficou sem atividade. “Nunca excedi nas bebidas, estou sempre na atividade e dizem que namorar constantemente também é bom, não é?”, brinca o prefeito. Walter Francisco faz questão de citar a “eterna namorada”, Maria Helena, que considera parte importante da sua vitalidade. “O amor dá muita força para as coisas”, diz.
Outro que toma posse em janeiro é Francisco Paradela (PSDB), de 75 anos, prefeito eleito de Amparo do Serra, na Zona da Mata mineira. Ele chega ao terceiro mandato no Executivo e, ao contrário dos colegas, acharia bom contar com uma aposentadoria. “Existem muitos prefeitos em situação difícil. Se tiver jeito, o dinheiro é bem-vindo”, afirma. Ele não conseguiu a aposentadoria rural aos 60 anos, por não ter condições de contribuir com o INSS. Apesar de flertar com o descanso remunerado, Francisco garante estar em boa forma: “Tenho consciência de que vou fazer uma administração boa, porque a gente tem que respeitar o legado que o povo passa para a gente”, afirmou.
Cargo vitalício nos EUA
Aposentados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ex-ministros da mais importante Corte brasileira continuam na atividade em escritórios de advocacia. Fosse nos Estados Unidos, eles ainda estariam julgando em última instância casos importantes para o destino do país. Lá, os nove integrantes não têm limite para deixar os cargos, que são vitalícios. A permanência em atividade está garantida se o magistrado tiver um bom desempenho das funções, havendo a possibilidade de sofrer um impeachment em caso contrário.
O ex-ministro do STF Carlos Mário Velloso ouviu uma brincadeira sobre a diferença de um juiz norte-americano para o brasileiro ao conhecer a Corte dos EUA. “Um juiz me disse que mandar para casa alguém em pleno vigor físico e mental para pagar outro para o lugar dele é coisa de país rico. Aí vem um com 65 anos, fica cinco e sai. Acaba o contribuinte pagando uns três ou quatro para a mesma vaga”, contabilizou o ex-ministro. Velloso conta que antes havia vários membros do Supremo com mais de 80 anos. “O presidente na época tinha 82, hoje ele já faleceu.”
Aos 76 anos, Carlos Velloso trabalha em um escritório em Brasília fazendo pareceres na área de direito público e empresarial. Ele prefere ficar com essa parte do trabalho a frequentar os tribunais. “Não me agrada ficar caminhando”, diz. O ex-ministro considera uma tolice a aposentadoria compulsória aos 70 anos. “Foi uma besteira da Constituição, mas se amanhã me pedissem para eu voltar, não retornaria, porque me adaptei muito bem às novas funções e elas têm um efeito colateral que são os honorários”, disse, referindo-se ao aumento na renda.
Quanto à capacidade para trabalhar, Velloso afirma que ex-ministros, como Ilmar Galvão, Francisco Rezek e Paulo Brossard, também continuam em atividade. Os quatro são alguns dos 17 ministros aposentados que recebem o mesmo salário dos que estão na atividade, de R$ 26.723,13, gerando um custo mensal de R$ 454.293,21 aos cofres públicos.
Ayres Britto se despediu do plenário do Supremo quarta-feira com um discurso emocionado, depois de ser homenageado pelos colegas. “Gosto do que faço e ponho alegria no que faço. Procuro viver em estado amoroso e transmitir isso para as coisas”, disse. Ao deixar a Corte em setembro, Peluso preferiu criticar a regra que o fez se aposentar. Lembrou que a primeira Constituição da República, em 1891, não estabelecia limite de idade para permanecer no Supremo. Em 1934 foi estabelecido o limite de 75 anos e depois recuou para 68 e 70 anos, desde 1946, idade mantida na Constituição de 1988. O ex-ministro também citou a Suprema Corte nos EUA, em que o juiz John Paul Stevens se aposentou por vontade própria em 2010 aos 90 anos.
BENGALA
Se depender do Congresso Nacional, a idade de aposentadoria compulsória dos ministros do STF pode aumentar para 75 anos. Sem sucesso, tramita desde 2005 na Câmara dos Deputados uma proposta de emenda à Constituição, de autoria do senador Pedro Simon (PMDB-RS), conhecida como a PEC da Bengala, fazendo essa alteração. Ela chegou a ser discutida no plenário em primeiro turno, mas foi retirada de pauta em 2009 sem ser aprovada. Desde então, vários requerimentos foram feitos para incluir o projeto na ordem do dia.
Velloso não acredita que o texto vire lei. “Não passa, por causa do lobby dos juízes, das associações de magistrados. Para chegar mais depressa ao tribunal, eles querem que as aposentadorias ocorram para liberar as vagas”, resumiu. (JC)