Brasília – Depois de quase nove meses atrás das grades, o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, foi colocado ontem em liberdade. Ele deixou a Penitenciária da Papuda às 0h5, sem conversar com os jornalistas e seguiu direto para Goiânia, onde se encontraria com os três filhos, de 9, 11 e 12 anos, que ele não via desde a prisão, em 29 de fevereiro. Com a conclusão da instrução do processo da Operação Saint-Michel referente a um esquema montado no Distrito Federal para abocanhar um milionário contrato de bilhetagem eletrônica no transporte público, a juíza Ana Cláudia Barreto, da 5ª Vara Criminal de Brasília, considerou que o bicheiro não tem mais como influenciar testemunhas e atrapalhar a coleta de provas.
“A Justiça começou a ser feita. A defesa está convicta de que ele não cometeu os crimes que lhe foram imputados. Vamos recorrer e, como ele já cumpriu mais de seis meses de prisão, não ficaria nem no regime semiaberto, mas no aberto”, disse o advogado de Cachoeira, Nabor Bulhões, momentos antes de o cliente deixar a Papuda.
O alvará de soltura foi expedido no dia em que a magistrada condenou o bicheiro a cinco anos de prisão em regime semiaberto, além do pagamento de multa correspondente a R$ 155,5 mil pelos crimes de formação de quadrilha e tráfico de influência. É a primeira sentença contra Cachoeira desde que vieram à tona, em fevereiro, com a Operação Monte Carlo, as denúncias de que o contraventor liderava uma máfia em Goiás e no Entorno do Distrito Federal, com ramificações no poder público, o que motivou a abertura de CPI no Congresso.
Na sentença, a juíza acatou os fundamentos e os elementos de prova compartilhados pelo Ministério Público Federal com os promotores de Justiça do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) do Ministério Público do DF. Escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal (PF) revelaram um intenso movimento de Cachoeira para conseguir o contrato do DFTrans para tercerização da exploração da operação do transporte público por meio de um sistema sofisticado de informática. Cachoeira queria entregar o negócio, de cerca de R$ 60 milhões por mês, para a Delta Construções, empresa que havia conseguido entrar no DF por meio de contrato de limpeza pública hoje considerado ilegal e extinto. Dois ex-diretores da Delta, Cláudio Abreu, responsável pelo Centro-Oeste, e Heraldo Puccini Neto, gerente em São Paulo, também foram condenados a cinco anos de prisão por formação de quadrilha e tráfico de influência.
A sentença abrange ainda o ex-servidor da Secretaria de Planejamento Valdir Reis, o contato da quadrilha com o governo do Distrito Federal. A quebra do sigilo bancário mostrou que Reis recebeu pelo menos R$ 80 mil como pagamento pela intermediação de encontros entre o grupo de Cachoeira e integrantes do Executivo local, entre os quais o secretário de Transportes, José Valter Wasquez, testemunha no processo. Segundo a Justiça, Reis recebeu pagamentos por meio de empresas laranjas do esquema, como a Adecio & Rafael, abastecida com recursos da Delta nacional. No computador dele, promotores de Justiça do DF encontraram, durante busca e apreensão da Operação Saint-Michel, o projeto básico do sistema de bilhetagem que teria sido elaborado pelo grupo de Cachoeira. O ex-servidor mantinha um trânsito tão fácil no anexo do Palácio do Buriti que ele ainda ostentava um crachá de funcionário público do GDF.
Relatório paralelo
Insatisfeitos com o resultado da CPI do Cachoeira, quatro parlamentares vão protocolar hoje, na Procuradoria Geral da República (PGR), um relatório paralelo. Além do indiciamento do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), já sugerido no texto que o relator Odair Cunha (PT-MG) lerá hoje, o documento pedirá o enquadramento dos governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), e do Tocantins, Siqueira Campos (PSDB).