Jornal Estado de Minas

Serviço público federal tem mais de 100 mil apadrinhados

Marcelo da Fonseca

O governo federal e o Congresso empregam hoje mais de 100 mil servidores que não passaram por seleção para o cargo que ocupam. Pelo menos 40 mil deles nem chegaram a prestar qualquer tipo de concurso para entrar no serviço público. Os dados são do próprio Executivo, da Câmara e do Senado e chamam mais atenção agora com o novo escândalo envolvendo funcionários de alta patente do governo – todos eles alçados aos cargos por indicação política. É o caso dos irmãos Paulo Vieira e Rubens Vieira, ex-diretores de agências reguladoras; José Weber de Holanda, segundo na hierarquia da Advocacia-Geral da União (AGU); e Rosemary Noronha, ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo. Para cientistas políticos ouvidos pelo Estado de Minas, a meritocracia, que deveria ser priorizada pelos governantes para nomear ocupantes de cargos públicos, fica muitas vezes deixada de lado para dar espaço às negociações e interesses partidários.

No Congresso, são 14.942 cargos ocupados por meio de nomeações livres e que não exigem do funcionário qualquer tipo de graduação ou qualidade técnica comprovada. Segundo os dados da Câmara, até o final de agosto 10.389 servidores trabalhavam na Casa por indicação dos deputados. Cada parlamentar pode indicar até 25 nomes para atuar nos gabinetes como assessores parlamentares, com vencimentos variando entre o salário mínimo e R$ 8 mil.
A Câmara ainda reserva 1.394 vagas comissionadas para indicações feitas pelos ocupantes da Mesa Diretora e dos partidos políticos (o número de vagas é proporcional ao tamanho da legendas), com salários entre R$ 2,6 mil e R$ 14 mil. Já no Senado, 3.159 servidores atuam sem ter passado por concursos. Cada senador pode empregar em seus gabinetes cinco assessores técnicos, seis secretários e motorista.

O maior contingente de indicados aos cargos públicos, no entanto, está espalhado pelos órgãos federais e ministérios. Existem hoje 87.245 funcionários comissionados de livre nomeação, grande parte deles com cadeiras garantidas em estatais e órgãos gestores graças a acordos entre partidos e ligações com pessoas influentes dentro das legendas. Desse total, 22.084 ocupam cargos de direção e assessoramento superior, considerados de confiança. Os demais, cerca de 65 mil funcionários, podem até ter passado em alguma seleção, mas não para o cargo que ocupam.

BALCÃO “Infelizmente, no Brasil, a meritocracia não criou raízes profundas no meio institucional.
Isso, na prática, significa que o mérito pessoal baseado na qualidade dos serviços prestados acaba ficando de lado e é menos valorizado que as indicações políticas”, explica o analista político Gaudêncio Torquato. Segundo ele, a relação entre ocupantes de cargos públicos e políticos se tornou um verdadeiro ciclo de negócios comum tanto nas instâncias federais quanto nas estaduais e municipais, o que explica muitos dos problemas que se repetem nas administrações. “Com pessoas pouco preparadas tecnicamente para exercer determinadas funções, entram em cena desvios e erros”, afirma Torquato.

Para o analista, não existiriam soluções a curto prazo para resolver os excessivos problemas ligados às pessoas indicadas aos cargos de confiança, uma vez que o modelo de presidencialismo de coalizão fomenta as práticas de negociação entre grupos políticos para chegar ou se manter no poder. “A primeira medida seria que os partidos passassem a adotar um rigor maior no quadro de indicados. Depois, colocar em prática a transparência total dos integrantes, sejam as agendas, reuniões e negociações envolvendo servidores públicos em nível de chefia”, aponta Torquato. Ele acrescenta que a redução das vagas por indicações também deve ser uma meta dos governos, assim como o estímulo de controles mais rigorosos pelos órgãos fiscalizadores.

O aumento das negociações envolvendo cargos de confiança  é apontado pelo cientista político Rudá Ricci como um dos principais problemas enfrentados pela administração pública nos dias de hoje. Segunde ele, a prática que se tornou mais comum a partir de 2002 com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder e com a busca por uma ampla coalizão para governar, está cada vez mais disseminada pelos municípios brasileiros.
“Desde que Lula assumiu, a composição governamental se tornou prioridade e muitos partidos receberam cargos como forma de participar do poder. Até mesmo grupos de oposição. E isso exige muita concessão política. Nessas eleições tivemos vários casos em que as negociações começaram logo depois dos resultados das urnas. Quem perde com isso somos nós eleitores”, lembra Rudá.

 

 

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