Jornal Estado de Minas

Quadrilha investigada pela Operação Porto Seguro ajudou no mensalão


Paulo de Tarso Lyra


Brasília – Os irmãos Paulo Vieira e Rubens Vieira, indiciados pela Polícia Federal na Operação Porto Seguro, prestaram consultoria jurídica e processual ao deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) no julgamento do mensalão. Conversas telefônicas gravadas com autorização judicial mostram os irmãos Vieira preocupados com a situação do secretário-geral do PR, traçando estratégias para tentar diminuir a pena, propondo pesquisas para ver se, em caso de prescrição de crimes, Valdemar poderia ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa. “A gente tem que afastar a (condenação) mais complicada”, disse Paulo Vieira, em deteminado trecho da conversa. Não deu certo. Valdemar acabou condenado a sete anos e 10 meses de prisão.

Eles reconhecem, em diálogo travado em 10 de abril que, se tentassem buscar a prescrição dos crimes para amenizar uma possível condenação, a estratégia não funcionaria para o caso de lavagem de dinheiro. “Rubens, esse da lavagem me assustou viu? A prescrição dele é um século”, comenta Paulo Vieira. “É, pela prescrição dele não dá”, admite Rubens. O Código Penal prevê pena de três a 10 anos de prisão.

Em caso de punição máxima, a condenação por esse delito prescreveria apenas em 2023, no caso de Valdemar Costa Neto.

Os dois irmãos demonstram familiaridade com o processo do mensalão, que começaria a ser julgado cinco meses depois no Supremo Tribunal Federal. Destrincham quais os crimes que serão examinados e quem está indiciado em cada um deles. Afirmam, por exemplo, que o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu está enquadrado no crime de corrupção ativa. “O procurador (Roberto Gurgel) diz que o Zé Dirceu comprou o Valdemar e o Bispo Rodrigues (antigo líder do então PL na Câmara)”, explica Rubens. “Eu vi, mas o Valdemar está como corrupção passiva”, completa Paulo.

Um pouco antes, eles destrincham por que Zé Dirceu precisava “comprar” Valdemar e Bispo Rodrigues. “Supostamente eles teriam aceitado essa promessa (receber recursos em troca de votar a favor das reformas tributária e previdenciária), não é isso?”, indaga Paulo Vieira. “Isso”, responde Rubens, laconicamente.


Os dois debatem até quais os argumentos políticos que os advogados de Valdemar deveriam apresentar ao Supremo para comprovar que não fazia sentido o PL ser acusado de se vender para aprovar as duas reformas. “Eu não sei se eles já levaram esse argumento de que não precisamos comprar ele, ele é o governo (sic)”, questiona Rubens. “Esse aí (o argumento) já foi levado”, responde Paulo. “Foi levado?”, insiste Rubens. “Foi, com certeza”, completa Paulo.

Outra sugestão foi desconstruir a tese de formação de quadrilha. Pelo Código Penal, para que esse crime seja tipificado, são necessárias quatro pessoas. “Se um desses for absolvido, cai a tese de formação de quadrilha, né?”, indaga Paulo.
“Cai”, concorda Rubens. No caso, os quatro seriam Valdemar, Bispo Rodrigues, Jacinto Lamas (ex-servidor do PL) e Lúcio Bologna Funaro, doleiro utilizado por Valdemar para lavar o dinheiro do mensalão. A corretora parceira foi a Garanhuns, comandada por José Carlos Batista.

Os dois prosseguem o diálogo. Paulo, comprovando o fato de realmente ser próximo de Valdemar — o próprio parlamentar admitiu ao Estado de Minas que “eles são amigos e o irmão Vieira tem feito muita coisa por ele” —, preocupa-se com o estado emocional do padrinho político. Valdemar empenhou-se no partido para que Paulo Vieira pudesse ser indicado como diretor da Agência Nacional de Águas (ANA). “Eu acho que o trabalho aí é de duas linhas, eu já tenho uma ideia de como fazer esse trabalho. Agora, precisa segurar um pouco a onda dele, né?”, afirma o diretor da ANA. “Por quê?”, indaga Rubens. “Porque ele começa a ficar desesperado e pedir (ajuda) para muita gente, começa a fazer besteira”, prossegue Paulo.

Sem remuneração Em entrevista ao Estado de Minas na quarta-feira, no Salão Verde da Câmara, Valdemar admitiu que está vivendo “um verdadeiro inferno, uma tortura chinesa” e que “o julgamento do STF foi uma tragédia”.
Reconheceu o vínculo que tem com Paulo Vieira. “É meu amigo de longa data e tem me ajudado muito”, completou.

A assessoria do PR confirmou que os irmãos Vieira prestaram “consultoria processual” ao réu do mensalão. Completou que isso não se restringiu a 2012, tendo iniciado no ano passado, desde o instante em que a denúncia contra os envolvidos no caso foi formalmente aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo apurou o Estado de Minas, Paulo Vieira auxiliou o advogado Marcelo Bessa, inclusive, na elaboração de memorias de defesa do parlamentar do PR.

De acordo com aliados do secretário-geral do PR, Paulo Vieira prestou serviços a Valdemar Costa Neto sem receber qualquer remuneração pela consultoria jurídica. Não fez isso por caridade e, sim, de olho em ganhos futuros. “Se você tem interesses políticos e se propõe a ajudar um cacique de qualquer legenda, não vai cobrar por isso. Vai esperar para pedir algo lá na frente”, declarou um dos participantes das conversas entre Paulo, Rubens e Valdemar. (Colaboraram Juliana Colares e Edson Luiz)

 

E-mails comprometem Rosemary

A Polícia Federal interceptou, durante investigações que resultaram na operação Porto Seguro, e-mails enviados entre 2009 e 2010 pela então chefe do escritório da Presidência em São Paulo, Rosemary Noronha, aos irmãos Paulo e Rubens Vieira, presos pela PF. O Jornal Nacional, da Rede Globo, teve acesso aos documentos e divulgou ontem que eles mostram que, no período, Rosemary disse aos irmãos que usaria a proximidade funcional com o presidente da República à época, Luiz Inácio Lula da Silva, para influenciar na nomeação de ambos para diretorias de duas agências reguladoras.

O conteúdo dos e-mails está entre os 11 volumes de documentos que reúnem todos os detalhes da investigação da PF.

 

Inquérito da PF chega à Câmara

O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) afirmou ontem, ao chegar à posse do novo ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, que já recebeu o documento sobre o envolvimento do deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP) na Operação Porto Seguro. “Não fiz uma leitura aprofundada dos documentos, mas o que aparece são aquelas conversas envolvendo o deputado”, declarou. “Eu vou poder falar com mais segurança depois que passar pela análise técnica da Câmara, para onde já enviei o material e que poderá fazer uma leitura mais pormenorizada do documento”, completou.

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