Jornal Estado de Minas

Agências desreguladas

Órgãos destinados a fiscalizar a prestação de serviços públicos funcionam como balcão de negócios

Paulo de Tarso Lyra e Leandro Kleber

Brasília – Um setor que deverá fiscalizar pelo menos R$ 200 bilhões em investimentos nos próximos anos teve sua fragilidade escancarada com a deflagração da Operação Porto Seguro pela Polícia Federal. A prisão de dois diretores de agências reguladoras — Paulo Vieira, da Agência Nacional de Águas (ANA), e Rubens Vieira, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) — que comandavam um esquema de venda de pareceres jurídicos expôs os problemas de entidades criadas para regular os serviços prestados ao cidadão brasileiro.

Indicações políticas de pessoas sem o mínimo conhecimento técnico para as funções que exercem, falta de independência orçamentária para executar o trabalho, ausência de transparência nas decisões tomadas e diretores que acabam sendo, posteriormente, capturados pelo mercado que deveriam fiscalizar são alguns dos problemas levantados pelo Congresso e órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU).

Criadas durante o governo Fernando Henrique Cardoso, as agências foram perdendo autonomia ao longo dos anos. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva determinou que os cargos técnicos fossem preenchidos por servidores de carreira, concursados e bem remunerados. Mas são os cargos de diretores que se tornaram alvo de disputa entre os partidos políticos.

Os principais controladores são o PT e o PMDB, mas o PSB, por exemplo, controla o setor de portos e o PCdoB ainda tem bastante ascendência sobre a Agência Nacional de Petróleo (ANP). PR e PTB são outros partidos que têm apaniguados em vagas que deveriam ser ocupadas por pessoas com expertise na função. Até o PSD, que tem pouco mais de um ano de existência, já está de olho na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Para o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) José Jorge, não há como impedir a interferência política no setor. Na opinião dele, o problema é a falta de compromisso na escolha de nomes qualificados. “Nessa operação de agora (Porto Seguro), vemos uma secretária (Rosemary Noronha, ex-chefe do gabinete presidencial em São Paulo) influenciando a nomeação de dois diretores de agências (Paulo e Rubens Vieira)”, exemplificou o ministro.

Outro problema também detectado pelo TCU: a falta de autonomia orçamentária. “As agências não têm recursos para exercer seu trabalho, as verbas são sempre contingenciadas”, afirma o senador Delcídio Amaral (PT-MS).

Segundo o relatório elaborado pela Corte, esse é um dos principais pontos que dificultam o planejamento estratégico das agências. “O impacto gerado por suas atividades regulatórias tende a ser relativamente maior que os respectivos montantes dos orçamentos, visto que regulam setores que envolvem expressivas mobilizações de capital, intimamente associados ao desenvolvimento do país”, aponta o relatório.

Levantamento feito pelo Estado de Minas mostra o descompasso entre o orçamento total das agências para 2012 e o que elas efetivamente tiveram disponível para gastar. A Agência Nacional do Petróleo, por exemplo, que fiscaliza as empresas nacionais e estrangeiras de exploração do petróleo — incluindo o pré-sal —, tinha orçamento original de R$ 4,1 bilhões, mas só pode gastar R$ 497,7 milhões, já que o restante está contingenciado. Dos R$ 2,11 bilhões disponíveis para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), só R$ 465 milhões estão liberados. A que está em melhor condição no ranking é a Anac: dos R$ 463,8 milhões da previsão orçamentária, ela poderá gastar R$ 435,3 milhões..