Passa Quatro – Separadas por quase 800 quilômetros e localizadas nos extremos de Minas Gerais, Passa Quatro e Paracatu ganharam evidência nos últimos três meses com o maior julgamento da história brasileira: o mensalão. Passa Quatro, no Sul de Minas, é a cidade natal do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT), condenado como mentor do escândalo. O algoz de Dirceu, o presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, é de Paracatu, no Noroeste. Em lados opostos no STF, os dois nasceram em cidades repletas de denúncias de corrupção no poder público. Na terra de Barbosa, o prefeito enfrenta sua terceira Comissão Parlamentar de Inquérito (CPIs) em oito anos de mandato. Na cidade de Dirceu, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) acusa o prefeito de ter provocado um rombo que pode ter chegado a R$ 500 mil somente com malversação de diárias de viagem.
“A história do José Dirceu está consumada. Aqui (em Passa Quatro) ainda tem muita coisa para acontecer”, afirma o promotor Flávio Mafra Brandão Azevedo.
Prefeito e promotor não se entendem na cidade natal de Dirceu. O promotor acusa o prefeito de diversos delitos. As acusações somam milhares de páginas divididas em duas pastas na promotoria. “Já houve condenações e também absolvições, mas estão em fase de recurso”, explica Azevedo, alegando que o prefeito não perdeu o cargo por ter se valido de diversos recursos para protelar o processo. O prefeito, por sua vez, ataca a vida pessoal do promotor e alega perseguição política.
“Fiz uma apuração entre 2005 até este ano e identifiquei, com documentos, diversas irregularidades”, detalha o promotor.
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Fãs do ex-ministro O prefeito encerra o segundo mandato este mês sem ter conseguido eleger o vice-prefeito como seu sucessor. Perdeu para uma chapa que uniu PSDB e PT. O prefeito eleito é o tucano Paulinho Brito, fisicamente parecido com o senador Aécio Neves (PSDB). Porém, a semelhança com o ex-governador não ecoa no discurso a respeito de Dirceu. “Ele (o ex-ministro) paga pelo que representa e não pelo que fez”, avalia Paulinho. O prefeito ressalta que suas declarações são feitas com o olhar de advogado e não de tucano, ressalta que o ex-ministro petista é um orgulho para Passa Quatro. “O maior desagravo é o abraço fraterno que damos nele quando vem à cidade”, afirma o tucano.
Já o atual prefeito, Acácio Mendes de Andrade, foi opositor do prefeito eleito, mas quando o assunto é José Dirceu os dois afinam a oratória no mesmo tom.
Acácio relata que conseguiu fazer várias obras na cidade com recursos do governo federal. Uma das mais vistosas é a policlínica de saúde, inaugurada em junho, pouco antes do início do julgamento do mensalão. “Dei o nome de Castorino Oliveira e Silva”, destaca o prefeito. Castorino, já falecido, tinha uma pequena gráfica na cidade e hoje é mais conhecido como pai de José Dirceu. Entretanto, Acácio ainda pensa em uma última homenagem antes de deixar o poder.
Mais que uma foto na parede
Antes do julgamento do mensalão, José Dirceu passou alguns dias na casa da mãe, Olga Silva. Há cinco anos, o ex-ministro comprou o imóvel, uma bela residência localizada no Centro, e está sempre presente em Passa Quatro, ou P4, como os moradores e ele se referem à bela cidade de 15 mil habitantes encravada no alto da Serra da Mantiqueira. Em P4 também vivem uma irmã e um irmão de Dirceu. O ex-ministro estudou até a oitava série no Colégio São Miguel, instituição católica tradicional.
O padre Joaquim Soares Moreira, de 84 anos, foi professor do ex-ministro e, além de destacar a inteligência dele, recorda quando outro professor, padre Domingos, perdeu a compostura com o menino. “Agarrou ele pelo fundo da calça e jogou pela janela para o lado de fora”, lembra.
Na parede do corredor principal, a foto do garoto, então com 14 anos, está entre os formandos. Ao lado, o brasão do colégio, que tem as cores da bandeira de Cuba (azul, vermelho e branco), país onde Dirceu viveu na década de 1960, quando esteve exilado. “Acho horrível a atitude dele, mas reconheço que é um homem que não engole as coisas facilmente. Quando alguém está errado, ele bate de frente, feio”, avaliou o religioso.
Quem não discorda de Dirceu, ou Zé, como ele se refere ao ex-presidente do PT, é o engenheiro João Luiz Schianni. “As pessoas aqui têm orgulho. Não por isso que acontece com agora, mas pela história dele”, afirmou João, que é três anos mais novo que Zé e foi seu amigo de infância.
Muita coisa aconteceu desde que Zé deixou P4 e se mudou para São Paulo, onde foi líder estudantil, participou da luta armada, foi preso e um dos libertados em troca do embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, sequestrado por militantes em 1969. Depois do exílio em Cuba, ele retornou clandestino ao Brasil, no interior do Paraná, onde viveu com outro nome e outro rosto e se casou – sem revelar à esposa sua verdadeira identidade.
Após a anistia, em 1979, participou da criação do PT, foi eleito deputado estadual e federal por São Paulo, foi derrotado para o governo de SP em 1994, se tornou presidente do PT em 1995 e um dos principais artífices da candidatura vencedora de Lula em 2002, se tornando ministro. Em 2005 foi cassado e agora condenado pelo Supremo a 10 anos e 10 meses de prisão.
“Eu não falo que ele está certo ou errado. Eu respeito o Zé de Passa Quatro acima da política”, pontuou João. O que incomodou o amigo de infância foi a aliança do PT com o PSDB para a prefeitura. “Não gosto de briga, mas não queria a aliança”, entende João, que há 26 anos é filiado ao PT. “Como fui voto vencido, pedi para deixar o cargo de secretário do partido e estou pensando em sair e fundar o PCdoB na cidade”, planeja João.