Jornal Estado de Minas

Bate-boca entre ministros do STF provoca adiamento do julgamento do mensalão


Maria Clara Prates

A reedição da queda de braço entre o ministro Joaquim Barbosa – relator do processo do mensalão e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) –, e o ministro Ricardo Lewandowski – revisor do caso e vice-presidente –, adiou para a segunda-feira, a decisão sobre a cassação dos mandatos dos parlamentares condenados por envolvimento no esquema de pagamento de propina em troca do apoio político durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ficaram para a próxima semana também outras decisões importantes, como o ajuste das penas de multa e o pedido de prisão imediata dos 23 condenados à pena restritiva de liberdade. A demora em encerrar o caso foi admitida pelo próprio presidente da Corte, que afirmou: "A nação não aguenta mais esse julgamento. Está na hora de acabar. Como dizem os ingleses, let's move on (vamos seguir em frente)”.

Em sessão tumultuada, que chegou a ser interrompida por mais de uma hora para que Barbosa comparecesse ao velório do arquiteto Oscar Niemeyer, no Palácio do Planalto, foram apresentados apenas os votos do relator e do revisor. Joaquim Barbosa votou pela decretação da perda dos mandatos dos deputados federais Valdemar Costa Neto (PR-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) – já condenados a penas restritivas de liberdade – e Pedro Henry (PP-PR), que é prefeito de Jandaia do Sul (PR). E como vem ocorrendo, não teve o apoio de Lewandowski. Em um extenso voto, o revisor defendeu a tese em sentido oposto, argumentando que a competência para decretação da medida é exclusiva da Câmara dos Deputados.
Para embasar os votos, os mesmos artigos da Constituição, com interpretações distintas.

Critérios Na verdade, a discordância entre revisor e relator teve início com a apresentação de Lewandowski da revisão de seu voto em relação às multas aplicadas aos condenados na Ação Penal nº 470, por considerar que houve “distorções claras e evidentes nas penas pecuniárias”. Segundo o revisor, não houve critério para o cálculo o que poderia gerar uma enxurrada de embargos por parte dos advogados de defesa. Barbosa não gostou nada e disse: “Se for examinar uma por uma a situação de cada um dos réus nós invadiremos o mês de fevereiro”. "Eu procurei como relator desse caso, ser o mais claro e transparente possível. Distribui meus votos em todas as votações e no final, quando está encerrando, o tribunal volta a se debruçar sobre alterações matemáticas", disparou Barbosa.

No começo da sessão, o revisor afirmou que reformaria seu voto em relação às multas para corrigir distorções. As sanções aplicadas somam R$ 22,373 milhões, em valores ainda sem correções. O ministro apresentou aos colegas uma tabela propondo valores máximos e mínimos para as multas, proporcional à pena de prisão.
Ele citou o caso do ex-presidente do PT José Genoino, que teria recebido uma multa equivalente a duas vezes ao seu patrimônio. Ele foi condenado a 6 anos e 11 meses pelos crimes de formação de quadrilha e corrupção ativa, além do pagamento de R$ 468 mil. Sem condições de análise por não estarem com seus votos, os demais ministros da Corte pediram para que o ajuste das multas fosse analisado em outra sessão, depois que pudessem entender a metodologia aplicada pelo revisor. Até que se chegasse a esse consenso, os debates foram intensos envolvendo vários ministros.

Nem 10 minutos "Posso estar enganado, mas ouvi vossa excelência aplicar uma regra de três. Isso não é possível para fixação da multa. O critério fundamental é a condição financeira. Então, nós não podemos estabelecer essa proporcionalidade. Isso foi levado em conta nas propostas de multa que eu fiz e que foram acolhidas aqui”, reagiu Lewandowski.
O ministro Celso de Mello saiu em defesa dele. "O revisor apenas pretende rever o seu voto e explicitar os critérios que adotou." "O senhor me dá 10 minutos?", questionou Lewandowski, pedindo tempo para explicar seu critério. "Como coordenador dos trabalhos, eu preferiria que vossa excelência fosse o mais breve possível", respondeu Barbosa.

O voto de Joaquim Barbosa, que defendeu a cassação dos mandatos dos parlamentares, foi apresentado somente depois do intervalo. Para o presidente da Corte, a decisão do Supremo é definitiva e deverá ser executada pela Câmara dos Deputados, que será apenas comunicada. “A decisão da Casa Legislativa tem efeito meramente declaratório, não podendo rever nem tornar sem efeito a decisão condenatória final proferida por essa Suprema Corte”, afirmou. Diante do entendimento distinto do revisor, Barbosa foi taxativo: “A Constituição fixou (o Judiciário) instância de juízo de certeza de condenação criminal, evidentemente, depois de transitada em julgado. Revê-lo é pôr em jogo a autoridade do Supremo Tribunal Federal, desacreditaria a República”..