O Planalto cedeu às pressões do PMDB para ter dois anos de paz no Congresso e menos queixas por mais espaço na Esplanada. A contragosto, a presidente Dilma Rousseff concordou que o partido presida a Câmara e o Senado a partir de fevereiro. Coincidirá, justamente, com o segundo biênio do mandato da presidente, que decidirá se ela terá chances de se reeleger em 2014. O preço da fidelidade é alto: um orçamento total de R$ 8,43 bilhões sob o comando dos futuros presidentes da Câmara e do Senado, provavelmente os peemedebistas Henrique Eduardo Alves (RN) e Renan Calheiros (AL), respectivamente. O montante para investimentos é menor: R$ 287,19 milhões.
O PT sempre temia que o PMDB tivesse tanto poder nas mãos. Não teve jeito. Dilma espera, com isso, que o partido diminua a pressão por mais espaço na Esplanada.
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Fogo amigo no caminho dos candidatos peemedebistasPresidente do PMDB rebate críticas de Eduardo Campos à aliança com o PTPMDB de Minas quer mais um ministério e manda recado para a cúpula do governoDesta vez, a presidente fará apenas reformas pontuais. Mas poderá ampliar o naco do PMDB na Esplanada se confirmar a indicação de Gabriel Chalita para o Ministério da Ciência e Tecnologia. O MCT tem orçamento de R$ 1,3 bilhão para gastar no ano que vem – bem mais do que tudo o que os peemedebistaas têm hoje. Chalita, entretanto, entraria na cota pessoal do vice-presidente Michel Temer, não sendo considerado um autêntico representante do partido.
A esperança do governo é que o PMDB se acalme. “Eles foram confirmados na chapa presidencial de 2014 e comandarão Câmara e Senado nos dois últimos anos do governo Dilma. Isso já é muita coisa”, declarou um aliado da presidente. O raciocínio nas fileiras do partido é diferente: justamente por ter tanto prestígio assim, a sigla acredita que merece um tratamento melhor na Esplanada. “Nós queremos ter mais acesso à formulação das políticas públicas do governo”, defendeu o deputado Danilo Forte (PMDB-CE).
Energia elétrica
A presidente está preocupada com solavancos no Congresso que possam atrapalhar a reeleição em 2014. Com uma crise financeira internacional que não dá sinais de melhora e uma série de medidas encaminhadas ao Legislativo na tentativa de blindar ao máximo o país, Dilma sabe que uma boa relação com o maior partido da base aliada – além do PT – é mais do que necessária, é imperiosa. Entre as matérias importantes nas mãos do PMDB está a medida provisória que altera as regras das concessionárias de energia e desonera as contas de pequenos e grandes consumidores.
Na quinta-feira, Dilma tomou café da manhã com o relator da proposta, Renan Calheiros (PMDB-AL), com o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), e com o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (PT-SP). Não quer nem saber de desafino na orquestra, especialmente depois da politização feita pelo PSDB. No comando de duas das principais estatais de energia elétrica estaduais – Cemig, em Minas Gerais, e Cesp, em São Paulo –, os tucanos não querem reduzir as margens da renegociação das concessões.
Renan sabe que não poderá vacilar nessa MP. Durante jantar com os peemedebistas há quase dois meses, a presidente foi explícita ao avisar que não aceitaria emendas à proposta: “Quero que seja aprovada exatamente como veio”, disse ela aos peemedebistas, incluindo Renan. O postulante à cadeira de presidente do Senado sabe que esse também é um teste de lealdade que ele precisa enfrentar.
As regras da sucessão
Se Dilma Rousseff teve que assimilar a ideia de ver o PMDB no comando das duas Casas do Congresso durante a segunda metade do mandato presidencial, ela também precisou aceitar os dois nomes apresentados pelo partido para as respectivas vagas: Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves. No Senado, a regra implícita, não escrita, mas acatada como consenso político, é de que a maior bancada na Casa tem a prerrogativa de indicar o presidente.
Isso significa que a escolha cabe ao PMDB. Mas Renan Calheiros (AL) não era o nome preferido nem do Planalto nem de Dilma para suceder José Sarney (PMDB-AP). Ela chegou a pensar em oferecer a Renan apoio na disputa pelo governo de Alagoas em 2014.
No caso da Câmara, PT e PMDB fizeram um acordo de alternância no comando da Casa, independentemente da maior bancada. Como o atual presidente é petista – o gaúcho Marco Maia –, automaticamente o próximo presidente será do PMDB. “Eu não participei desse acordo. Mas se ele existe, deve ser cumprido”, disse a presidente, durante jantar com peemedebistas.
Prerrogativas
Os presidentes da Câmara e do Senado ditam a pauta de votações, autorizam a instalação de comissões parlamentares de inquérito e comandam acordos com os parlamentares para a aprovação ou a derrubada de projetos de interesse do governo. Em casos extremos, decidem pela abertura ou o arquivamento de pedidos de impeachment contra o presidente da República.
Histórico de conflitos
Tantas dissidências e confusões remetem, inevitavelmente, a fevereiro 2005, quando a base aliada rachada permitiu a eleição do nanico Severino Cavalcanti (PP-PE) como presidente da Câmara. Na esteira da confusão política iniciada em fevereiro, veio o escândalo do mensalão, com desdobramentos que chegam até os dias de hoje, com o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em dezembro de 2004, o PT tinha quatro pré-candidatos à Presidência da Câmara: Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), Arlindo Chinaglia (SP), Virgílio Guimarães (MG) e Paulo Rocha (PA). Rocha e Chinaglia desistiram no meio do caminho. Greenhalgh foi escolhido pelo presidente Lula, apoiado pelo então presidente do PT, José Genoino . Mas Virgílio, incensado pelo então presidente da Casa, João Paulo Cunha (SP), se manteve firme como candidato. Perdeu no voto da bancada, mas foi até o plenário.
Cavalcanti nunca foi um nome forte na disputa. Conhecido como o “rei do baixo clero”, prometia agrados e benesses para os deputados que não se sentiam representados pelos parlamentares das cúpulas. Mas encontrou uma brecha na disputa interna do PT e viabilizou o próprio nome.
Em 2003, João Paulo havia sido eleito presidente da Casa com mais de 90% dos votos. Dois anos depois, a disputa seria decidida em segundo turno. Rachada, a base aliada viu na divisão petista a oportunidade de dar o troco no PT. Greenhalgh e Severino passaram para um novo escrutínio, na mesma noite. A oposição, liderada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, orientou o voto no candidato pepista, que tornou-se presidente da Casa. “Fui dormir à noite e acordei com Severino presidente”, irritou-se Lula. Severino foi afastado do cargo no meio do ano, acusado de cobrar propina do dono de um restaurante da Câmara.