Jornal Estado de Minas

Familiares de ex-secretária de JK lutam para manter sua memória

Com a morte da ex-secretária Nympha Rigotto, em dezembro, morre também parte da história dos governos JK em Minas e em Brasília. Família agora se debruça sobre o acervo deixado por ela

Bertha Maakaroun - enviada especial
Convocada por sua grafia impecável, Nympha fazia o que podia ser chamado de uma triagem dos pedidos das bases de Juscelino - Foto: Arquivo Pessoal
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m pouco da história dos bastidores dos anos dourados se perde com a morte de Nympha Carneiro Magalhães Rigotto, que entre 1951 e 1955 e entre 1956 até o fim de 1960 era a secretária responsável por atender as bases políticas do então governador de Minas e, depois, presidente da República, Juscelino Kubitschek. Formalmente, Nympha trabalhava com Carlos Murilo Felício dos Santos, primo-irmão de JK. Como vice-líder do governo na Assembleia Legislativa e, depois, na Câmara dos Deputados, Carlos Murilo mantinha gabinete nos palácios da Liberdade, do Catete e, com a transferência da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, do Planalto. “Nympha trabalhava comigo, mantendo o contato político com as bases, listando e encaminhando os pedidos de prefeitos e deputados. Precisava de uma ponte, um posto de saúde, o atendimento desses pedidos era feito nesses gabinetes”, conta Carlos Murilo.
A discreta e dedicada secretária morreu em 1º de dezembro do ano passado, aos 86 anos. Sofria do mal de Alzheimer. Sua família pouco sabia sobre o seu trabalho. Agora, a irmã Neusa e os nove sobrinhos – ela era viúva e não teve filhos – se debruçam sobre o seu espólio e encontram, no fundo dos armários do apartamento na Praça Cairo, no Bairro Santo Antônio, Região Sul de Belo Horizonte, fotografias de momentos marcantes da trajetória de JK, um discurso manuscrito, entrevistas em jornais da época, como o Binômio, além de revistas da fundação de Brasília . “Conversávamos muito pouco sobre política com ela e sabíamos muito pouco sobre a sua vida”, afirma uma das sobrinhas da secretária de JK, Adriana Hoelzle, de 54 anos, analista de sistemas que vive na Inglaterra. Como a mãe de Nympha era comunista, na época ela não gostava de Juscelino. Era assunto proibido. A família ainda não sabe o que fazer com esse acervo histórico.

No fim de 1960, quando Nympha tinha 34 anos, em uma de suas viagens de carro de Brasília a Belo Horizonte, ela, que dirigia o seu Fusca ao lado da irmã Neusa, sofreu um grave acidente. O carro capotou várias vezes. Nympha fraturou a perna. “Ela estava de repouso, em seu apartamento, na Rua Alagoas, com muletas, se recuperando. Numa manhã, uma voz conhecida a chamou da rua. Espiou pela janela. Era JK, que chegara de Brasília e de dentro do carro, queria saber como ela estava”, conta Delenir Maria Alves, de 50 anos, amiga que ouviu muitas das histórias de Nympha. “Ele subiu até o apartamento dela, cumprimentou-a, ficou uns minutos e depois foi embora. Nympha adorava JK, sempre bem-humorado e muito atencioso com todos que trabalhavam com ele”, conta Delenir.

Entre os casos desfiados por Nympha para Delenir está o dia em que, já presidente da República, Juscelino pediu a ela que dançasse com o jornalista e empresário Assis Chateaubriand – um dos homens públicos mais influentes do Brasil nas décadas de 1940 e 1960 – em um baile que o governo promovia no Palácio do Itamaraty. “Nympha, dança com ele”, disse-lhe JK. A secretária tentou resistir, mas o presidente a puxou pelo braço e a apresentou a Chatô. Dançaram. Mas, se houve qualquer conversa entre os dois, Delenir nunca soube.

NO PODER Nympha conheceu o então vice-presidente João Goulart, o Jango; Leonel Brizola, cunhado de Jango e, na época, governador do Rio Grande do Sul; Tancredo Neves, deputado federal e um dos articuladores da candidatura de Juscelino à Presidência, entre outros correligionários de JK que frequentemente cruzavam os corredores dos palácios. Também esteve frente a frente com Carlos Lacerda, o incansável udenista, que não deu trégua a Juscelino em seu governo. Entre os “guardados” de Nympha, está um discurso manuscrito pelo presidente, um ano e meio depois de empossado, resposta em cadeia de rádio e televisão ao opositor implacável Lacerda. Depois de ter pregado o “golpe em nome da democracia” para impedir a posse de JK, Lacerda atacava, da Câmara dos Deputados, no Rio, a política econômica e a construção de Brasília.

JK anota, ao fim do seu discurso, pedido para enviá-lo a José Maria Alkmin, seu ministro da Fazenda, entre fevereiro de 1956 e junho de 1958. No texto, JK trata dos esforços para a industrialização do país, da crise econômica e da inflação, “que devora a nação desde 1940”, gerando insatisfação e um alto custo de vida. Sem citar Lacerda uma única vez, a fala oposicionista é considerada uma “ladainha” irresponsável, que não esclarece, mas confunde. “Vou passar em revista, sucinta, é verdade, o que foi a luta travada em 18 meses pelo presidente da República, seus ministros, diretores de departamentos, assessores, em suma, pelo seu estado maior administrativo. Sei que o povo acompanha essas atividades e, já esclarecido, prefere essas notícias à insuportável ladainha de questiúnculas políticas que certos setores da publicidade emaranham na opinião pública do Brasil. Já estamos adquirindo maioridade. Não somos mais uma família só de crianças, onde os mais desastrados põem a casa em polvorosa. Temos de raciocinar a frio. Cada um compenetrar-se de suas responsabilidades e ajudar o país a sair de suas dificuldades”, sustenta o discurso.

JK conclui: “A demagogia destruidora amesquinha a nação, avilta o seu panorama político-social e reduz as perspectivas desta mesma nação. Façamos uma pausa na indisciplina, no ódio e na irresponsabilidade. E como a figura mitológica de Hércules, carregando sobre os ombros o peso do mundo, unamos as nossas forças, um corpo só, e carreguemos o Brasil para as longas avenidas do seu futuro”.

Escrita perfeita

Depois do acidente de carro na estrada Brasília-Belo Horizonte, antes de JK terminar o mandato de presidente, Nympha Rigotto não voltou a trabalhar na nova capital do país. Ela, que pela primeira vez foi convocada por Juscelino logo após a sua eleição ao governo de Minas, em 1950, a princípio pela grafia perfeita com que encaminhou a todos os destinatários o convite da posse, assumiria o cargo de auditora da Fazenda Federal, cargo em que se aposentou décadas mais tarde.