Jornal Estado de Minas

Caso Cachoeira: Congresso esfria pizza em arquivo

Documentos que deveriam ter sido entregues ao MP estão parados desde a rejeição do relatório da CPI, em dezembro

Maria Clara Prates
Nada menos que 127.484 páginas de documentos produzidos exclusivamente durante os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira dormem nos arquivos da Coordenação do Congresso Nacional desde dezembro. Uma permanência prolongada na Casa que coloca mais ingredientes na pizza que foi assada na comissão, depois da rejeição do relatório final do deputado federal Odair Cunha (PT-MG), que propunha o indiciamento do contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, e de integrantes de sua organização de exploração de jogos de azar, de dois governadores, de outros políticos e de integrantes do Ministério Público. Na tentativa de buscar uma saída depois da recusa dos indiciamentos, os integrantes da CPI decidiram que os documentos seriam encaminhados ao Ministério Público Federal para ampliação das investigações, mas há mais de dois meses eles estariam sendo “preparados” para o cumprimento da medida, de acordo com o atendimento ao usuário do Senado Federal.
Apesar da forte repressão sofrida no ano passado pelo grupo de Cachoeira – que permanece em liberdade depois de ter sido condenado a mais de 39 anos de prisão e ser alvo de vários processos criminais –, o milionário mercado ilegal do jogo tem resistido. Na semana passada, a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Deco) da Polícia Civil do Distrito Federal fechou três cassinos em Valparaíso, em Goiás, que pertencem à família de José Olímpio de Queiroga Neto, um dos mais fortes colaboradores do contraventor, numa clara demonstração de que a organização criminosa ainda respira, e bem. Cachoeira ficou preso durante nove meses depois de ter sido alvo de duas operações da Polícia Federal e do Ministério Público do Distrito Federal: a Monte Carlo e a Saint-Michel, um desdobramento da primeira investida, que apontou indícios de envolvimento de agentes públicos, empresários e políticos como a suposta quadrilha que explorava o jogo ilegal e tráfico de influência em Goiás. O contraventor está em liberdade por força de decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.

Uma das consequências diretas da lentidão na remessa dos documentos foi a paralisação de inquérito policial instaurado pela Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro para investigar transações comerciais suspeitas da Delta Construções S.A, com sede naquela capital. De acordo com o relatório de Cunha, Cachoeira seria sócio oculto da empreiteira, com 45% de participação nos lucros dos contratos firmados pela regional Centro-Oeste da empresa. O trabalho de investigação dos policiais federais foi interrompido com a instalação da CPI e seria retomado a partir da remessa à PF de documentos fiscais e bancários que foram requeridos pela comissão. A superintendência do Rio não respondeu ao pedido de informação sobre a situação do inquérito. Por sua vez, o Departamento de Polícia Federal em Brasília disse, por meio de sua assessoria de comunicação, que a corporação ainda não recebeu qualquer documento.

Relator sugere aprofundamento

Em seu texto final sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira, o relator Odair Cunha ressalta a suspeita levantada durante os trabalhos de apuração de que a Delta Construções tenha ajudado a alimentar o esquema criminoso do contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos. A empresa teria financiado o pagamento de propinas e outras manobras.

 Em um dos trechos das quase 5 mil folhas do relatório, Cunha afirma: “Fora do fato determinado que direcionou nosso trabalho, mas em sintonia de conexão com o objeto da investigação que fazíamos, identificamos outras supostas irregularidades também alimentadas financeiramente a partir da empresa Delta e diversas outras fora da Região Centro-Oeste. Não nos omitimos diante dessa realidade. Dentro das limitações constitucionais do nosso trabalho, identificamos todas essas empresas, os valores movimentados e as irregularidades que as caracterizam, de modo que também encaminharemos à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal um trabalho bastante avançado, com um acervo investigativo que permitirá a continuidade e o aprofundamento das investigações.”

No entendimento do relator, o trabalho da CPI avançou na apuração e teria conseguido deixar claro os responsáveis, os beneficiários e o caminho do dinheiro da organização criminosa de Carlinhos Cachoeira. “Seguimos e identificamos todos os beneficiários (pessoas físicas e jurídicas) dos recursos oriundos dessas empresas de fachada, de modo que o caminho do dinheiro está apontado e deverá ser percorrido, como dito, pelos órgãos de investigação permanente do Estado. Localizamos diversos bens móveis e imóveis adquiridos com recursos da organização criminosa. E em parceria com o Ministério Público Federal conseguimos o sequestro e a indisponibilidade de um grande acervo patrimonial da quadrilha”, afirma.

 Além da documentação produzida pela própria comissão, fazem parte do acervo milhares de documentos produzidos nas operações Monte Carlo e Saint-Michel e cópias de processo em andamento no Supremo Tribunal Federal. Desde que foi desencadeada a Operação Monte Carlo, que terminou por provocar a criação da CPI, a única punição efetiva relacionada ao caso Carlinhos Cachoeira foi sofrida pela senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), cassado devido à sua estreita ligação com o contraventor. Integrante do Ministério Público de Goiás, ele foi ainda afastado de suas funções até a conclusão de sindicância.