O conflito agrário em Minas Gerais pode deixar as terras e chegar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entidades representativas de movimentos sociais, Ministério Público, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo (CNCVC) e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa preparam uma representação contra o juiz Octávio de Almeida Neves, titular da Vara de Conflitos Agrários do Estado. O magistrado é acusado de descumprir regras processuais na concessão de liminares para a reintegração de posse de terras ocupadas por trabalhadores rurais. Se o documento for acatado pelo CNJ, o juiz pode ser afastado do cargo que ocupa há pouco mais de um ano.
Há hoje 53 ordens de despejo em todo o estado proferidas pelo juiz Octávio de Almeida Neves – sem que supostamente tenham sido cumpridos ritos como a visita do magistrado ao local, vistas ao Ministério Público e Incra, conforme determina legislação vigente e a Constituição Federal. A Ouvidoria Agrária – ligada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário – e a CNCVC já protocolaram pedidos na Presidência do Tribunal de Justiça para uma audiência que discuta o assunto, mas até agora não obtiveram qualquer resposta. Sem alternativa, o grupo agora diz que a representação ao CNJ é a única viável.
“O Ministério Público e as entidades entendem que as condutas (do juiz) são incompatíveis com o exercício da magistratura agrária. Ninguém tem outro propósito senão que a vara venha a fazer o trabalho para o qual foi criada”, alegou o procurador Afonso Henrique de Miranda, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Conflitos Agrários do Ministério Público e integrante da CNCVC. Segundo ele, as decisões não têm seguido princípios constitucionais, como a função social da propriedade, respeito ao meio ambiente e ao direito dos trabalhadores.
Em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, realizada quarta-feira em Belo Horizonte, o ouvidor nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário, desembargador Gercino José da Silva Filho, lamentou o imbróglio vivido em Minas Gerais. “Vamos buscar o Conselho Nacional de Justiça para solicitar que a atuação desse magistrado seja feita de forma ética”, explicou.
O alto comando da Polícia Militar já foi informado do assunto e teria recebido pedido para que as ordens judiciais não sejam cumpridas. “O MP é a favor do cumprimento de ordens judiciais, mas desde que dentro da lei e do que diz a Constituição”, argumentou o procurador Afonso Henrique de Miranda. Uma vez expedida a reintegração de posse, cabe aos militares garantir a retirada dos trabalhadores rurais das áreas invadidas. Em nota ao Estado de Minas, no entanto, a informação da PM é de que a corporação “cumpre fielmente as normas previstas e as determinações judiciais emanadas, não cabendo à instituição questionar o mérito da causa”.
Prejuízos
O superintendente do Incra em Minas Gerais, Carlos Calazans, evitou polemizar, mas confirmou que raramente o órgão tem sido chamado a opinar nos processos agrários. “As decisões recentes têm trazido prejuízos ao processo de reforma agrária no estado. E o que tem ocorrido é que o rito processual não tem sido seguido”, justificou. No entanto, Calazans ressaltou que algumas normas têm sido descumpridas também na vara agrária da Justiça Federal.
Uma comissão com representantes dos movimentos sociais, do governo estadual e do Incra foi criada para tratar da questão da reintegração de posse de terra em Minas. O grupo é coordenado pelo secretário de Estado extraordinário de Regularização Fundiária, Wander Borges – que confirmou já ter recebido relatos contra o juiz Octávio de Almeida Neves. “Têm surgido reclamações dele, mas todo mundo reclama de tudo, então temos que verificar tudo com cuidado”, disse ele, ponderando que a pasta tem tentado atuar de forma a buscar a solução “mais pacífica possível”.