Brasília – De todos os questionamentos sobre denúncias enviados pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) ao Brasil, menos de 40% são respondidos. O governo federal, responsável por responder aos apelos do principal órgão internacional no tema, mesmo a respeito de situações estaduais ou até municipais, simplesmente não retorna à maior parte dos comunicados recebidos. Em média, de cada cinco pedidos de explicação que chegam ao país, mais de três são ignorados. Os dados fazem parte de um levantamento feito pelo Estado de Minas com informações dos últimos quatro anos.
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Ministra dos Direitos Humanos diz que país ainda convive com legado da ditaduraLegislação sobre direitos de pessoas com deficiência será ajustada a convenção internacionalCruzada virtual quer barrar pastor na Comissão de Direitos Humanos da CâmaraPara Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas Direitos Humanos, uma das entidades da sociedade civil mais atuantes na ONU, os números levantados pela reportagem mostram que a tal cooperação carrega muito de retórica. "Responder a um comunicado é o mínimo que se espera de um país que se diz compromissado com os direitos humanos, especialmente porque os questionamentos se referem a violações concretas ocorridas no Brasil", destaca a especialista. E completa: "O governo brasileiro não está devendo resposta à ONU apenas, mas à sociedade brasileira."
O Itamaraty, por meio da assessoria de imprensa, confirmou a existência de pelo menos 12 questionamentos sem resposta feitos pelo Conselho de Direitos Humanos — muitas vezes classificados de "apelos urgentes" — desde 2009. A pasta ressalta, entretanto, que todos serão respondidos. Sobre a demora, que em alguns casos chega a três anos e meio, alega dificuldades na obterem informações necessárias para responder ao órgão internacional. Mas ressalta que não há prioridade de alguns temas em relação a outros.
"Entendemos a dificuldade, até pelo pacto federativo, de se obter informações com rapidez. Mas deixar uma comunicação sem resposta por dois, três anos não parece razoável. Esse argumento vem sendo apresentado há anos. Então, o governo federal já deveria ter encontrado uma forma de dialogar melhor com os entes federados", ressalta Camila. Para Sandra Carvalho, diretora da organização Justiça Global, que também acompanha casos de violação denunciados em nível internacional, há um claro enfraquecimento do tema nos últimos anos. "O Estado brasileiro tem perdido prazos não só na ONU, mas também na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos)."
Tanto na OEA quanto na ONU, o Brasil vem sendo bombardeado por questionamentos sobre os impactos sociais de grandes obras, como a construção da usina de Belo Monte, no Pará, e a transposição do Rio São Francisco. Mas também a respeito de execuções sumárias, abuso de autoridade, ameaça à independência de juízes, povos indígenas e quilombolas, política de drogas e acesso à saúde. "Alguns são casos pontuais em que as vítimas ou familiares, não conseguindo respostas internamente, recorrem a uma esfera internacional. O governo não pode simplesmente ignorar as demandas e as determinações dos organismos de direitos humanos dos quais faz parte", afirma Sandra.
Grandes eventos na pauta
Uma das demandas mais antigas levantadas pelo Estado de Minas refere-se a despejos forçados, com uso de violência, em Curitiba, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo. As remoções teriam como finalidade, segundo a denúncia recebida pela ONU, viabilizar obras relacionadas aos grandes eventos que o Brasil vai sediar em breve, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo. O governo federal, porém, fez ouvido de mercador.
Assassinatos de defensores dos direitos humanos também são uma constante na lista de pendências do país com o Conselho de Direitos Humanos da ONU. Em julho de 2011, o órgão pediu informações sobre a morte de José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, líderes extrativistas executados no Pará. Até hoje o Brasil não retornou.
O caso mais recente sem resposta refere-se à operação policial realizada na cracolândia em São Paulo em janeiro de 2012. Quatro meses depois, a ONU perguntava ao Brasil detalhes da ação, que teria sido truculenta, mas até agora não obteve resposta. Uma emboscada sofrida pela juíza Fabíola Moura, possivelmente devido às sentenças dadas a policiais corruptos, também é alvo de questionamentos nunca respondidos pelo Brasil.
Em temas caros ao governo brasileiro, como Belo Monte, Copa do Mundo e transposição do São Francisco, as respostas costumam ser dadas com mais agilidade. Às vezes, mesmo respondendo, o Brasil é criticado. Três relatores que interpelaram o Brasil a respeito do assassinato do vereador Manoel Mattos (PT-PE) — defensor de direitos humanos que denunciava grupos de extermínio no Nordeste —agradeceram pelas informações enviadas, mas lamentaram o silêncio em apelos feitos entre 2004 e 2008.
Direito a voto
O Brasil havia sido membro durante dois mandatos seguidos, entre 2006, quando o Conselho de Direitos Humanos foi criado, e 2011. Pelas regras da ONU, um país não pode voltar a concorrer para um terceiro mandato consecutivo. Dessa forma, o Brasil esteve apenas como observador durante parte de 2011 e 2012, voltando este ano, com mandato até 2015. Como membro, o Estado poderá votar sobre resoluções apresentadas em plenário, direito vedado aos observadores.