Jornal Estado de Minas

Partidos abocanham parte dos salários de servidores comissionados

Funcionários públicos comissionados contratados para trabalhar em gabinetes parlamentares ou mesmo no Executivo pagam dízimo às legendas a que são filiados. A prática é vetada pela Justiça

Alice Maciel

Mesmo proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo menos 17 partidos cobram dízimo dos filiados que trabalham em cargos comissionados no Legislativo e no Executivo. A contribuição é definida em estatuto das legendas, que também prevê penalidades para quem não fizer a doação. A taxa, que varia de 3% a 10% dos salários, é descontada do contracheque ou o pagamento é feito por meio de boleto bancário. O repasse nem sempre é espontâneo, e servidores temem perder o emprego ao falar sobre o assunto. O coordenador do Centro de Apoio Eleitoral, promotor Edson Resende, observa que a prática é ilegal e pode caracterizar abuso de autoridade e improbidade administrativa. Em Belo Horizonte, PT e PSL arrecadam ainda parte dos salários de servidores que ocupam cargos de confiança na Câmara e nem mesmo são filiados às legendas.

Ex-funcionária do gabinete de um parlamentar do PSL na capital – que não quis dar o nome – conta que não chegou a se filiar ao partido. “Eu sou do PPS e nunca fui transferida, mas era obrigada a repassar 3% do meu salário ao PSL. Se a gente não pagasse era ameaçada de perder o cargo”, afirma. Colega dela, outra servidora do mesmo gabinete que diz ter sido “praticamente obrigada a se filiar ao PSL”, afirma que no início do mandato o dízimo era cobrado em boleto. “Mas ninguém aceitava pagar e começaram a descontar do nosso contracheque”, denuncia. O presidente estadual do PSL, Agostinho Gertrudes de Oliveira Neto, nega que o partido cobra de servidores que não são filiados. “Quinze dias antes de a pessoa tomar posse no gabinete de qualquer parlamentar ela se filia ao partido”, conta. Em relação aos registrados na legenda, ele observa que a contribuição está prevista no estatuto. “A única forma de o partido sobreviver é da contribuição. Temos pouco do Fundo Partidário”, diz.

No PT, a taxa arrecadada depende do salário dos filiados lotados em cargos de confiança, e mesmo funcionários que não são do quadro do partido têm de contribuir. Segundo o presidente estadual do PT, deputado federal Reginaldo Lopes, a cobrança partiu de uma determinação nacional. "No 4º Congresso do PT – em 2011 – foi definido que a contribuição é de toda a assessoria do parlamentar". Segundo ele, a maioria dos funcionários dos gabinetes do PT são filiados e os que não são contribuem voluntariamente por simpatizar com o partido. Reginaldo Lopes acrescenta ainda que a arrecadação "não é descontada da folha de pagamento", mas é feita em débito em conta. Segundo o vereador Adriano Ventura (PT), a contribuição não foi “algo imposto”, mas um consenso de toda a sua equipe. Arnaldo Godoy (PT) garante que “a pessoa é contratada sabendo que vai contribuir”.  Tarcísio Caixeta diz nunca ter tido problema com os servidores não filiados por causa da arrecadação.

O PSDC, o PRB e o PHS  também arrecadam parte do vencimento dos servidores comissionados: 5% dos salários, para aumentar seu caixa. Uma notificação do PSDC, assinada pelo tesoureiro, Eduardo Ferreira de Souza, enviada ao vereador Elvis Côrtes determina que todos os funcionários comissionados de seu gabinete pertençam aos quadros do PSDC. Em caso de desobediência, o texto diz que “o notificante terá direito a instaurar procedimento administrativo disciplinar”. O presidente estadual da legenda, Alessandro Marques, nega que a sigla obrigue as pessoas a se filiar e a contribuir com o partido. Para o vereador Marcelo Aro (PHS), a cobrança “é justa porque o partido tem que ter vida, tem que funcionar”. No PV, segundo o vereador Leonardo Mattos, a cobrança é feita apenas de pessoas indicadas pelo partido.

Segundo o promotor Edson Resende, as siglas não devem receber doação de um servidor comissionado, mesmo se o funcionário quiser, por ela estar viciada pela relação dele com a administração pública. O desconto da folha de pagamento é ainda mais censurado, segundo o promotor. “A mensalidade que a pessoa paga para o partido político, embora rotulada de doação, quando descontado da folha de pagamento fica mais evidenciado que não se trata de uma doação. O servidor está sendo coagido a pagar”, observa.