Luiz Ribeiro
Enviado especial a São João da Ponte e Itacambira
Histórias de famílias que se perpetuam no poder são comuns em todas as regiões de Minas, mas no Norte do estado elas ganham ingredientes extras e às vezes são manchadas de sangue. É o caso de São João da Ponte, de 26 mil habitantes.
Nos últimos 40 anos, a política local foi dominada por descendentes do ex-prefeito Olímpio Campos, morto em 1970, quando estava à frente da prefeitura. “Na verdade, os Campos já mandavam na cidade desde 1947, quando Simão da Costa Campos, pai de Olímpio, assumiu o cargo de prefeito. O Simão Campos era o grande coronel da região. Mesmo quando não estava no exercício do mandato, ele tinha poder do mesmo jeito.
Ele até dizia que nem gostava de ser prefeito, que o bom mesmo era mandar no prefeito”, afirma a professora Cynara Silde Mesquita Veloso, que fez um estudo sobre o poder na cidade durante cinco décadas em uma dissertação de mestrado. Ela escreveu o livro Coronelismo em São João da Ponte – 1946 a 1996.
Morto em 1962, Simão Campos foi sucedido pelo filho Olímpio, eleito para a prefeitura em 1966. Em 1970, ele foi assassinado em cima de um palanque, numa praça, em Montes Claros, durante um comício do então candidato a prefeito Pedro Santos. O curioso é que mesmo não exercendo nenhum cargo eletivo, quem assumiu o mando político no município foi Petrelina Veloso de Aguiar, que era companheira de Olimpio Campos – eles não eram casados oficialmente. Com sua força política, ela conseguiu eleger o filho, Denizar Veloso Santos, prefeito em 1970. Ele exerceu o mandato de 1971 a 1972.
Desde então, os herdeiros do grupo de Olímpio Campos dominaram a prefeitura por sucessivas gestões. Só não conseguiram vitória nas urnas em 1988, mas retornaram em 1992 e se mantiveram no poder até o ano passado. Em 2012, houve nova derrota dos herdeiros, mas o sobrenome Campos não saiu totalmente do poder na cidade. O atual presidente da Câmara Municipal de São João da Ponte é Paulo Simão Campos (PPS), sobrinho-neto do ex-prefeito Olímpio Campos.
“Infelizmente, durante décadas, o poder aqui ficou nas mãos de pessoas das mesmas famílias. São pessoas que ficaram brigando entre si e esqueceram do povo. Isso foi péssimo para a cidade”, avalia Antônio Carlos Lima, de 53 anos, comerciante em São João da Ponte. “A maioria dos votos aqui sempre foi dada na base da troca por um saco de cimento”, afirma. A mesma opinião é manifestada pelo lavrador Denizar Dias Quaresma, de 54. “Os prefeitos que passaram não fizeram nada pelo povo. Acho que eles ganharam eleição sempre por causa da compra de votos”, diz Denizar.
Ele chegou ao ponto de afixar uma faixa na frente da prefeitura com os dizeres: "Paciência. Encontramos mais de R$ 40 milhões de dívidas. Estamos trabalhando para colocar ordem na prefeitura".
Reinado Em Itacambira, no Norte de Minas, há mais de 20 anos o poder está nas mãos do grupo liderado pela família do fazendeiro e ex-prefeito José Edson Ferreira. Ele assumiu a prefeitura em 1988, fez o sucessor em 1992, retornou ao Executivo em 1996, fez novamente o sucessor em 2000, e em 2004 elegeu o filho, Marcelo Leão (PSDB), que se manteve no cargo até 2012. Em outubro foi eleito o servidor público José Francisco Ferreira (PSDB), o Zequinha, do mesmo grupo político.
O curioso em Itacambira é que quando ganhou a prefeitura em 1988, José Edson Ferreira pôs fim ao reinado de outra família na cidade. Durante 30 anos, a política local foi controlada pelo ex-prefeito Geraldo Bicalho, considerado um dos últimos “coronéis” do Norte de Minas, morto no fim da década de 1980. Ele foi prefeito por três gestões, mas mandava na prefeitura também quando não estava na chefia do Executivo.
Itacambira se tornou conhecida nacionalmente por causa de um tiroteio ocorrido durante uma festa na Fazenda Salto, na campanha eleitoral de 1986, que envolveu integrantes da própria família Bicalho, que se desentenderam. Nele, cinco pessoas morreram e nove ficaram feridas.
Renovação
Para o doutor em ciências políticas e professor da PUC Minas Malco Camargos, a influência familiar na política vai além das fronteiras de Minas Gerais. “A política tem uma delegação de pessoas que transferem espólio eleitoral. É mais comum passar para os filhos do que para terceiros”, avalia. Segundo o cientista, o problema dessa prática é que se deixa de ter renovação. “São pessoas novas com práticas velhas”, disse. Camargos afirma que a origem familiar é uma espécie de facilitador para garantir o voto do eleitor. “Ele está acostumado com a relação com aquele parlamentar ou prefeito e diminui o risco, pois já sabe o que esperar”, afirmou.