Motivo de debates faiscantes na última eleição presidencial, em 2010, a questão da descriminalização do aborto volta à tona com fôlego revigorado enquanto as discussões de candidaturas estão esquentando, e há sinais claros de que ela pode dividir opiniões de eleitores novamente no ano que vem. Depois de o Conselho Federal de Medicina (CFM) se posicionar a favor da autonomia da mulher para decidir se continua com a gravidez ou se aborta o feto até a 12ª semana de gestação, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) manifestou sua posição contrária. Por sua vez, parlamentares da Frente em Defesa da Família Brasileira correram para tomar providências e convidar o presidente da entidade médica para explicar suas posições no Congresso no Dia Internacional da Família, em 15 de maio.
O perfil dos presidenciáveis, a visita em julho do papa argentino ao país e as polêmicas em torno da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara – presidida atualmente por um pastor evangélico com posições conservadoras e controversas – apenas acrescentam pólvora ao debate explosivo. O conselheiro federal do CFM Waldir Cardoso acredita que a discussão deve estar presente na disputa eleitoral e se diz otimista quanto à possibilidade de haver uma alteração na legislação nos próximos anos, o que considera uma “mudança inexorável”. “É claro que esse debate sempre vai aparecer em períodos de eleição. Em nenhum lugar esse é um tema fácil”, avalia.
Plebiscito Marina Silva, conhecida por sua religiosidade, foi uma das protagonistas da discussão na eleição de 2010. À época, ela disse que sua posição pessoal, contrária à descriminalização, não importava, e optou por uma saída diplomática, defendendo que um plebiscito fosse feito sobre o assunto. Para o cientista político Bruno Reis, no entanto, a ideia de um plebiscito para decidir sobre o aborto “seria uma covardia”. “O plebiscito parece uma saída democrática, na qual o candidato lava as mãos e o povo decide. Mas não funciona com questões de minorias, como o casamento homossexual, por exemplo. Quem decidiu sobre o casamento foi o Supremo (Tribunal Federal)”, pondera.
Reis aponta uma série de motivos que devem levar o aborto para o centro das discussões no ano que vem, entre eles o fato de haver pelo menos duas candidatas mulheres. “É provável que haja debate sobre minorias, direitos humanos, homossexuais e questões raciais, como está ocorrendo agora com a Comissão de Direitos Humanos. Isso deve ser agudo em 2014”, avalia.
Outro presidenciável que já tocou no assunto é o senador Aécio Neves (PSDB). Ele se diz avesso à legalização, mas contrário à punição a mulheres que abortam. Já Chico Alencar (PSOL), também cotado como possível candidato de seu partido, deve defender a posição de seus correligionários, pela descriminalização. Uma das principais apoiadoras de Marina Silva na criação de seu novo partido, a vereadora de Maceió Heloísa Helena, disse que a questão do aborto foi um dos principais motivos para sua recente debandada do PSOL. “Obrigaram-me a defender o aborto”, desabafou ela na ocasião.
A legislação
A legislação atual permite o aborto em apenas três situações e a autorização é dada pela Justiça: quando a gravidez traz riscos à saúde da mãe; quando a gravidez é resultado de estupro; e quando o feto não tem cérebro. O Supremo Tribunal Federal se posicionou favorável à descriminalização do aborto de anencéfalos em abril do ano passado, por 8 votos a 2.