Jornal Estado de Minas

Aborto é "casca de banana" para candidatos nas eleições de 2014

Descriminalização da prática deve ser um dos temas mais presentes da campanha presidencial no ano que vem, principalmente agora, depois da nova posição do Conselho Federal de Medicina

Felipe Canêdo

Motivo de debates faiscantes na última eleição presidencial, em 2010, a questão da descriminalização do aborto volta à tona com fôlego revigorado enquanto as discussões de candidaturas estão esquentando, e há sinais claros de que ela pode dividir opiniões de eleitores novamente no ano que vem. Depois de o Conselho Federal de Medicina (CFM) se posicionar a favor da autonomia da mulher para decidir se continua com a gravidez ou se aborta o feto até a 12ª semana de gestação, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) manifestou sua posição contrária. Por sua vez, parlamentares da Frente em Defesa da Família Brasileira correram para tomar providências e convidar o presidente da entidade médica para explicar suas posições no Congresso no Dia Internacional da Família, em 15 de maio.

O perfil dos presidenciáveis, a visita em julho do papa argentino ao país e as polêmicas em torno da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara – presidida atualmente por um pastor evangélico com posições conservadoras e controversas – apenas acrescentam pólvora ao debate explosivo. O conselheiro federal do CFM Waldir Cardoso acredita que a discussão deve estar presente na disputa eleitoral e se diz otimista quanto à possibilidade de haver uma alteração na legislação nos próximos anos, o que considera uma “mudança inexorável”. “É claro que esse debate sempre vai aparecer em períodos de eleição. Em nenhum lugar esse é um tema fácil”, avalia.

A militante da Marcha Mundial de Mulheres, Clarisse Goulart, concorda: “O debate vai aparecer na eleição, e é uma pena que volte com força só nessa época, porque ele é feito de forma enviesada e sem profundidade. Ele sempre aflora de maneira utilitária e acaba servindo como uma forma de medir a religiosidade e a moralidade dos candidatos”, argumenta ela. Clarisse destaca que a atual gestão da presidente Dilma Rousseff tem “uma posição clara de não tocar na discussão do aborto”. Dilma, que tem um passado de militante de esquerda libertária, se embaralhou em 2010 quando o debate aflorou. Ela se disse então contra o aborto, mas falou que, eleita, teria de encará-lo como uma questão de saúde pública e social, e chegou a defender a descriminalização, o que suscitou mais discussão. “A Marcha Mundial de Mulheres defende que o aborto não seja somente descriminalizado, mas também legalizado e oferecido pelo sistema público de saúde”, acrescenta Clarisse.

Plebiscito Marina Silva, conhecida por sua religiosidade, foi uma das protagonistas da discussão na eleição de 2010. À época, ela disse que sua posição pessoal, contrária à descriminalização, não importava, e optou por uma saída diplomática, defendendo que um plebiscito fosse feito sobre o assunto. Para o cientista político Bruno Reis, no entanto, a ideia de um plebiscito para decidir sobre o aborto “seria uma covardia”. “O plebiscito parece uma saída democrática, na qual o candidato lava as mãos e o povo decide. Mas não funciona com questões de minorias, como o casamento homossexual, por exemplo. Quem decidiu sobre o casamento foi o Supremo (Tribunal Federal)”, pondera.

Reis aponta uma série de motivos que devem levar o aborto para o centro das discussões no ano que vem, entre eles o fato de haver pelo menos duas candidatas mulheres. “É provável que haja debate sobre minorias, direitos humanos, homossexuais e questões raciais, como está ocorrendo agora com a Comissão de Direitos Humanos. Isso deve ser agudo em 2014”, avalia.

Outro presidenciável que já tocou no assunto é o senador Aécio Neves (PSDB). Ele se diz avesso à legalização, mas contrário à punição a mulheres que abortam. Já Chico Alencar (PSOL), também cotado como possível candidato de seu partido, deve defender a posição de seus correligionários, pela descriminalização. Uma das principais apoiadoras de Marina Silva na criação de seu novo partido, a vereadora de Maceió Heloísa Helena, disse que a questão do aborto foi um dos principais motivos para sua recente debandada do PSOL. “Obrigaram-me a defender o aborto”, desabafou ela na ocasião.

A legislação

A legislação atual permite o aborto em apenas três situações e a autorização é dada pela Justiça: quando a gravidez traz riscos à saúde da mãe; quando a gravidez é resultado de estupro; e quando o feto não tem cérebro. O Supremo Tribunal Federal se posicionou favorável à descriminalização do aborto de anencéfalos em abril do ano passado, por 8 votos a 2.