Mesmo sob fogo cruzado há cerda de um mês, o deputado federal pastor Marco Feliciano (PSC-SP), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, demonstra que tem fôlego e convicção de suas ideais, consideradas racistas e homofóbicas por ativistas de movimentos sociais. Em defesa apresentada no Supremo Tribunal Federal no inquérito a que responde por preconceito e discriminação, o pastor reafirmou que paira sobre os africanos uma “maldição divina”, repetindo a declaração que fez no Twitter provocando a denúncia contra ele. A defesa do pastor diz que a constatação está amparada no texto da Bíblia. Mas pelo sim, pelo não, Marco Feliciano aproveitou o momento para se proteger sob o manto da imunidade parlamentar, alegando que não tem como não atrelar seu mandato parlamentar à sua crença religiosa. Ontem, o pastor prestou depoimento à Corte no processo no qual é acusado de estelionato. Ele foi interrogado por um juiz auxiliar do relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski.
Em linguagem que passa longe do juridiquês tão comum nos textos judiciais, o advogado Rafael Novaes da Silva, defensor do parlamentar, afirmou na defesa referente ao inquérito por preconceito e discriminação: “Ao comentar (no Twitter) acerca da 'maldição que acomete o continente africano', o deputado quis afirmar que é ‘como se a humanidade expiasse por um carma, nascido no momento em que Noé amaldiçoou o descendente do cão e toda sua descendência, representada por Canaã, o mais moço de seus filhos, e que tinha acabado de vê-lo nu’”. Novaes disse ainda que o pastor apresenta uma forma para “curar a maldição”. Para isso, os africanos teriam que entregar “seus caminhos ao Senhor”. “Tem ocorrido isso no continente africano. Milhares de africanos têm devotado sua vida a Deus e, por isso, o peso da maldição tem sido retirado”, diz a defesa de Feliciano. A partir da apresentação da peça, o Supremo decidirá se vai abrir processo contra o pastor, que evitou falar sobre suas declarações homofóbicas.
Feliciano provocou a ira de militantes da liberadade de opção sexual ao afirmar que o ativismo gay causa a violência. As declarações provocaram protestos que tomaram conta de redes sociais e das sessões da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, que ele passou a presidir em 7 de março. Em razão da publicação de declarações polêmicas no seu blog, hoje fora do ar, Feliciano foi acusado pela Procuradoria Geral da República de induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, crime sujeito a pena de um a três anos de prisão e multa. Não há tipificação criminal para homofobia.
Em sua defesa, o deputado afirmou que suas manifestações no Twitter estão “ligadas ao exercício de seu mandato”, o que contraria a argumentação que vem usando para permanecer à frente da comissão: que sua crença não afeta sua atuação na Câmara.
Ofensiva Para tentar amenizar a forte pressão pela renúncia de Marco Feliciano à presidência do colegiado, aliados do pastor na Câmara preparam uma ofensiva para desacreditar colegas e ativistas que protestam contra ele. O grupo montou dossiês contra os deputados que estão na linha de frente do movimento para derrubar Feliciano e pretende, nos próximos dias, entrar com representações contra eles. Os principais alvos são os deputados Domingos Dutra (PT-MA), Érika Kokay (PT-DF) e Jean Wyllys (PSOL-RJ). Parlamentares da bancada evangélica alegam ter encontrado processo no Tribunal Superior do Trabalho (TST) em que Dutra seria acusado de incluir uma empregada doméstica na folha de pagamento do seu gabinete e ficar com a maior parte do salário. Segundo relatam, ela constaria como doadora da campanha de Dutra. Os aliados do pastor prometem protocolar uma representação contra Dutra por quebra de decoro. O petista diz que as denúncias não passam de chantagem.
Direito de protestar
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, classificou de "saia justa" a situação em que uma estudante de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB) o colocou na manhã de ontem ao perguntar o que ele achava da eleição do pastor Marco Feliciano (PSC-SP) para a Presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Evitando polemizar, Barbosa disse apenas que a escolha do pastor para o cargo tem amparo no regimento interno da Câmara, mas que a sociedade tem o direito de se manifestar contra a eleição. “Isso é democracia”, resumiu.