Leandro Keber
A funcionária da Casa Legislativa só soube quem acessou os seus dados porque o site do órgão exige o preenchimento de um cadastro por parte do interessado. Assim, na intranet da instituição, o funcionário consegue visualizar o nome, o CPF, o e-mail e o endereço do cidadão que fez a consulta – o mesmo ocorre na Câmara. Um dia depois de ter o vencimento acessado, a funcionária entrou em contato com o cidadão que fez a consulta por e-mail e o chamou de bisbilhoteiro.
Weslei Machado, servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi quem consultou a remuneração da servidora do Senado e se sentiu ofendido com o comentário dela. Ele entrou com duas ações 11 dias depois de ter travado uma discussão com a servidora por e-mail. Uma ação cível de caráter indenizatório, por danos morais, e uma criminal por injúria, que previa pena de um a seis meses de detenção. Na segunda audiência de conciliação, feita na segunda-feira, já que na primeira não houve acordo, Machado propôs que a funcionária doasse 10% do salário para uma entidade de caridade, medida que ela aceitou depois de consultar o advogado. Assim, os dois processos foram arquivados.
Procurada pela reportagem, a servidora disse que não comentaria o caso. De acordo com Machado, a funcionária do Senado chorou depois de ter aceitado a proposta, mas não disse qualquer palavra. Quem falava por ela era o advogado, “educado e pacífico”, segundo Machado. A expectativa do funcionário do TSE é que a medida cause efeito prático devido ao caráter educativo que a ação pode provocar. “Creio que serve como uma prevenção geral, com poder educativo a todos. Há ainda uma questão pedagógica para aqueles que conhecerem a história pensar duas vezes antes de ofender alguém. Temos de respeitar alguns valores que o país tem”, disse.
Pelo acordo, a taquígrafa do Senado terá de desembolsar, em no máximo 60 dias, pouco mais de R$ 1,5 mil para comprar bens de natureza diversa ao Serviço de Estudos e Atenção a Usuários de Álcool e outras Drogas do Hospital Universitário de Brasília (HUB). A servidora terá de entrar em contato previamente com a instituição para verificar quais os itens que deverão ser doados.
“Eu não queria o dinheiro. Mesmo que ela fosse condenada a pagar, eu o doaria. Na época, queria olhar a remuneração de um analista e o nome dela chamou a minha atenção. Fiquei perplexo com a conduta dela depois do último e-mail que encaminhei, porque houve restrição ao direito de liberdade de expressão e porque ela integra o Senado, que aprovou a lei (de Acesso à Informação)”, conta. Machado considera que ela reconheceu o erro ao aceitar o acordo. Casado e pais de duas filhas, ele atua ainda como professor de direito constitucional e eleitoral e já publicou 14 livros sobre o assunto.
Em 4 de outubro do ano passado, a servidora do Senado encaminhou e-mail para ele questionando se havia interesse público em saber quanto ela ganhava e chamando a atitude de “bisbilhotice”. Minutos depois, Weslei respondeu ao e-mail argumentando que a Lei de Acesso à Informação garantia o direito de fiscalizar, como cidadão, o contracheque dos servidores públicos. Em seguida, a servidora do Senado chamou-o de “fofoqueiro” e “bisbilhoteiro”. Em menos de 20 minutos, Weslei respondeu de novo, “exigindo respeito e urbanidade no tratamento”. Disse que apenas estava exercendo um direito conferido por uma lei elaborada pelo próprio Parlamento em que a servidora trabalha. Machado ainda ressaltou que o demonstrativo é público e que ele contribui para o pagamento da remuneração. “Com o meu suor e o do resto da sociedade brasileira bancamos a manutenção de seu status remuneratório. Por essa razão, tenho o direito de fiscalizar e acompanhar mensalmente a correção dos recursos públicos destinados a V. Sa.”, escreveu no e-mail.