Jornal Estado de Minas

Barbosa será o orador da Medalha da Inconfidência, Dirceu fez o mesmo em 2000

O presidente do Supremo e relator do mensalão ocupará o lugar que já foi do ex-ministro da Casa Civil, condenado como operador do esquema

Daniel Camargos
Itamar fez de José Dirceu e Luiz Inácio Lula da Silva os oradores de dia de protesto oficial contra o governo Fernando Henrique Cardoso - Foto: Sidney Lopes/EM:D.A Press - 29/4/00
O microfone em que discursará hoje o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa – o orador oficial da solenidade de entrega da Medalha da Inconfidência –, já foi usado pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT), condenado a 10 anos e 10 meses pelo STF por comandar o esquema chamado de mensalão. Em 2000, durante o governo Itamar Franco (PMDB), Dirceu, então presidente nacional do PT, e o então presidente de honra do partido, Luiz Inácio Lula da Silva, foram os oradores da cerimônia.
Barbosa, considerado o algoz de caciques petistas, chega a Ouro Preto menos de uma semana depois da incursão de Lula e da presidente Dilma Rousseff em Minas Gerais, em que o ex-presidente recebeu o título de Cidadão Honorário do estado na Assembleia Legislativa, Dilma inaugurou casas e distribuiu máquinas e equipamentos para prefeitos e os dois comandaram um seminário sobre os 10 anos do partido no governo federal. Além do presidente do STF, o senador Aécio Neves (PSDB), pré-candidato do PSDB à Presidência, também estará hoje no palanque da cidade histórica.

Situação bem diferente da que ocorria há 13 anos, quando José Dirceu advertiu as mais de 3 mil pessoas presentes na Praça Tiradentes para a necessidade de lutar contra o neoliberalismo, criticando o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Nos bastidores, Dirceu articulava apoios à candidatura de Lula dois anos depois. “Não vamos dividir a oposição com palavras de ordem”, afirmou à época. Lula disse em seu discurso: “Este ato deve ser encarado como uma demonstração viva de que a oposição brasileira precisa se unificar”.

Depois de ajudar a eleger Lula em 2002, Dirceu se tornou o ministro mais poderoso, mas perdeu o cargo quando estourou o escândalo do mensalão. No ano passado, Dirceu foi condenado pelo STF tendo o ministro Joaquim Barbosa como relator do processo e o mais duro dos juízes.

A cerimônia que acontece todo dia 21 de abril – em homenagem ao inconfidente Joaquim José da Silva Xavier, morto em 1792 – ao longo dos tempos vem refletindo a orientação política do governo mineiro. Se o governador é alinhado ao presidente da República, a entrega de medalhas tende a ser tranquila. Porém, se há oposição entre os dois governos, a chance de o palanque na Praça Tiradentes se transformar em um trampolim político nacional é maior.

Foi assim no primeiro ano do governo Itamar Franco. Filiado ao PMDB na época, mas contrário à orientação política de seu partido, ele fazia uma oposição visceral ao ex-presidente FHC. Em 1999, com moratória decretada, Itamar agraciou líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da União Nacional dos Estudantes (UNE).

De acordo com a Polícia Militar, 1,2 mil ônibus lotados foram até Ouro Preto, transportando 20 mil pessoas. Além dos movimentos sociais, ladeavam Itamar no palanque Lula, Leonel Brizola (PDT) e Miguel Arraes (PSB), maiores líderes da esquerda brasileira. “Após 15 anos de festa alinhada com o governo federal, o Dia da Inconfidência Mineira ganhou o tom vermelho das esquerdas. O governador Itamar Franco conseguiu o que queria: transformar a solenidade no maior ato público de protesto contra a política econômica do presidente Fernando Henrique Cardoso”, publicou o Estado de Minas no dia seguinte.

Um boneco gigante do então presidente FHC recebeu a Medalha Joaquim Silvério dos Reis, um dos delatores dos inconfidentes. “Cultivamos a esperança de que esse homem resolva renunciar”, discursou Brizola. “Esta não foi uma solenidade apenas contra FHC, mas em defesa do Brasil, em defesa da nossa soberania”, fez coro Lula, que sucederia FHC na Presidência.

Isolamento Durante o governo Eduardo Azeredo (PSDB), em 1997, cerca de 400 policiais impediram que as pessoas se aproximassem do palco, cercando a praça com um cordão de isolamento. “Alguns manifestantes subiram no muro da Escola de Minas, tiraram as calças e viraram os fundilhos. Apesar de pacífica, houve alguns incidentes. Um manifestante atirou um boneco que satirizava o presidente FHC contra policiais. Ao ser recolhido, a polícia constatou que estava recheado de bombas garrafinha”, publicou o EM no dia seguinte.

Também  no governo Newton Cardoso (PMDB) a população intensificou os protestos, principalmente os professores, que erguiam faixas e bandeiras. “O funcionalismo público, em greve há 15 dias, roubou a festa do bicentenário da Inconfidência, realizada em Ouro Preto. O governador do estado, anfitrião, foi literalmente execrado em praça pública e o povo vaiou tudo, até minuto de silêncio”, publicou o EM.

Medalha

Criada em 1952, durante o governo de Juscelino Kubitschek, a medalha é entregue no dia 21 de abril com quatro designações: Grande Colar (Comenda Extraordinária), Grande Medalha, Medalha de Honra e Medalha da Inconfidência.